O K.A.P.D. NO TERCEIRO CONGRESSO MUNDIAL

Na reunião do Comité Central do K.A.P.D. de 31 de julho de 1921, um delegado ao congresso da III Internacional fez o relatório seguinte. O relatório completo e definitivo do K.A.P.D. será publicado sob a forma de brochura após o regresso de toda a delegação.

Camaradas!

A delegação do K.A.P.D. chegou cedo a Moscovo para se orientar antes do Congresso sobre todas as questões relativas à Rússia e ao movimento operário internacional no seu conjunto; para se fazer uma ideia real das coisas pela troca de impressões com as delegações que chegavam; para pôr a claro os ataques e deformações de que o K.A.P.D. foi objecto; expor claramente o nosso ponto de vista aos delegados, no decorrer de discussões particulares. Tudo isso tinha sido impossível ao nosso partido no interior da III Internacional; era necessário tirar todo o partido possível da ocasião. De facto os ataques ao K.A.P.D. continuaram deformando as nossas posições no jornal do Congresso de Moscovo e nos jornais governamentais russos, enquanto era recusada a edição dos nossos artigos e rectificações. Chegámos à Rússia em meados de Maio com a missão: 1º de atacar as decisões do 2º Congresso da III Internacional; 2º assentar as bases, na medida do possível, de uma oposição no interior da III Internacional. A delegação não se deixou levar pela ilusão de que poderia modificar radicalmente as linhas directrizes e as Teses do 2º Congresso; apesar de tudo, era necessário assumir resolutamente o combate contra elas.

Foi sobretudo a segunda tarefa (assentar as bases de uma oposição) que nós procuramos realizar. No decorrer dos nossos contactos com as delegações da Bulgária, do México, de Espanha, do Luxemburgo, de Inglaterra, de Glasgow, do grupo belga e das I.W.W. (Industrial Workes of the World), chegou-se à conclusão que temos com essas organizações um certo número de pontos comuns. São as "esquerdas búlgaras" que se encontram mais próximas de nós. A sua concepção sobre a situação no México é exactamente a mesma que a nossa. As organizações búlgaras não são uniões puras, mas cartéis de sindicalistas, de anarquistas e de "shop-stewards" . As relações que estas organizações mantêm com o partido são à medida dos nossos desejos: é o partido que tem a direcção do movimento.

Os camaradas espanhóis eram, depois dos camaradas búlgaros, os mais próximos de nós. Compreendiam-nos totalmente. Um único problema: a concepção da necessidade de uma organização política não tinha sido ainda completamente adoptada em Espanha; mas está em vias de tomar forma. Os camaradas estão fora do sindicalismo, na via do comunismo. A organização dispõe de um milhão e cem mil membros: aproximadamente 50 por cento dos operários organizados de Espanha. Os camaradas do Luxemburgo orientam-se resolutamente na via das organizações de fábrica, em ligação estreita com o partido. Há no Luxemburgo um "bom" movimento operário e os delegados asseguram-nos que estavam empenhados em continuar em contacto connosco.

O grupo de Glasgow concorda connosco teoricamente, mas a sua organização ainda não está suficientemente fortalecida. Os representantes da Bélgica ficaram completamente de acordo com os nossos princípios e a nossa táctica durante as primeiras trocas de impressões que tivemos; acrescentaram no entanto que os nossos métodos de combate não eram ainda aplicáveis no seu país.

Os I.W.W. estão em oposição aguda à III Internacional. Assumem um carácter sindicalista, mas reconheceram a necessidade de uma organização de acção política para conduzir a luta de classes; tencionam estudar a nossa experiência e tirar daí lições. pediram-nos material. Além disso tivemos conversas com a camarada Roland-Holst da minoria holandesa e com alguns membros da delegação austríaca, com os quais podemos estabelecer muitos pontos de concordância.

Depois das discussões com os delegados, tivemos discussões gerais. Foi então que se tornou claro e distinto que a ideia de formação de uma oposição no seio da III Internacional era uma ilusão, se bem que, tomados isoladamente, os delegados tivessem estado mais ou menos de acordo connosco sobre o plano teórico. Na medida em que isso os levaria a assumir o papel oposicionista perante a III Internacional, recusaram assustados. Procurámos então criar uma base oposicionista sobre três questões: o parlamentarismo, os sindicatos e o ultra centralismo. Não resultou. Tentámos por fim obter uma atitude homogénea de toda a oposição sobre um dos problemas. O que oferecia mais perspectivas para isso era a questão parlamentar. Mas isso também falhou. pois todos temiam ser excluídos da III Internacional.

Tornou-se-nos então mais nítido que nunca, como tivéramos razão em nos separarmos da União Spartacus. É impossível, no interior da III Internacional, tendo-se reconhecido as teses do 2º Congresso, ter uma opinião diferente do Partido Comunista Russo.

De tudo isto, resultou para nós uma só coisa: enquanto K.A.P.D. , estávamos sós. Tivemos então que abandonar a nossa tarefa de fundar uma oposição. Porém não podíamos por isso concluir que a representação do K.A.P.D. no Congresso não era justificado e que tivéssemos que nos comportar como Ruhle no 2º Congresso. Reconhecemos simplesmente que só poderíamos contar connosco e que a nossa tarefa se tornara tanto mais difícil quanto mais necessária. Era necessário obrigar a III Internacional a revelar abertamente o seu oportunismo, a demonstrar, pela exclusão do próprio K.A.P.D. a impossibilidade de uma organização revolucionária independente continuar no interior da III Internacional.

Na medida em que tínhamos previsto que só nos deixariam falar o mínimo de tempo possível, utilizamos outros meios para dar a conhecer às delegações os princípios e os métodos de acção do K.A.P.D. Com este objectivo redigimos esquemas, teses e linhas directrizes sobre todas as questões importantes (ver caderno N.º 7 do PROLETARIER - revista teórica do K.A.P.D. ) e também um relatório sobre o Partido Comunista Operário (K.A.P.D. ). Estes trabalhos foram traduzidos em inglês, em francês, publicados em numerosos exemplares e enviados a muitos delegados.

Antes da abertura do Congresso houve várias reuniões do Comité Executivo em que participaram todos os membros da nossa delegação. Pôde-se então ver claramente que linha seguia o Congresso. Na Alemanha, tinha-nos sido possível pôr uma hipótese dupla a este respeito: a III Internacional podia ou inaugurar uma política nova, mais activa, ou então entranhar-se ainda mais na antiga orientação. Ora, mesmo as esperanças de uma activação da III Internacional - esperanças suscitadas eventualmente pelo reconhecimento da ACÇÃO DE MARÇO - se revelaram ilusórias.

Antes do Congresso, depois de ultrapassar dificuldades incríveis, conseguimos obter uma entrevista com Lenine. Durante esta entrevista, Lenine declarou que Levi tivera inteira razão quanto ao fundo, na sua atitude face à Acção de Março; que tinha somente infringido a disciplina e cometido assim uma acção que não se poderia deixar de considerar.

Foi para nós um indício importante, porque a autoridade de Lenine é determinante no Partido Comunista Russo.

Esta situação de facto foi bem ilustrada pela atitude dos representantes russos às sessões do Comité executivo. Por exemplo, os camaradas das Juventudes Francesas e uma parte do partido francês tinham dirigido ataques contra a direcção do partido: esta ter-se-ia mantido inactiva no momento da incorporação de 1919. Os luxemburgueses formularam também graves acusações contra o partido francês. Quando em Março os operários luxemburgueses ocuparam as fábricas e o exército francês interveio, a direcção do partido francês ter-se-ia limitado a observar sem nada fazer. Quando estes queixumes foram discutidos, Trotsky tomou abertamente partido por Loriot contra as Juventudes Francesas e os luxemburgueses; acusou mesmo os luxemburgueses de terem motivações nacionalistas! Lenine tomou também abertamente o partido de Loriot. Anteriormente, Bela Kun, Radek e Zinoviev tinham francamente tomado posição contra Loriot. Mas depois de Trotsky e Lenine falarem, inclinaram-se. Este oportunismo estagnante surgiu igualmente na questão do partido checoslovaco dirijido por Sméral, um direitista acabado. Concluiu-se sem mais que os direitistas sociais-democratas tinham preponderância neste partido e foi-lhe dada entrada na Internacional. Contentaram-se simplesmente com uma gentil resolução na qual se dirigiam alguns reparos acerca da pessoa de Sméral e de alguns direitistas. A seguir, durante o Congresso, retirou-se todo o significado à resolução, omitindo-se mesmo o que era dirigido contra Sméral: a delegação checoslovaca exigira-o e Lenine interveio nesse sentido. Estes exemplos chegam. O Comité Executivo determinou também como seria conduzido o Congresso. O gabinete reduzido do Comité Executivo fez as propostas e, bem entendido, ninguém se arriscou a formular fosse o fosse contra. Foi também aí que foram constituídas as comissões particulares. Enviámos representantes às seguintes comissões: relatório do comité Executivo, situação económica mundial, táctica, questão sindical, organização, táctica do P.C.R. Apresentamos aí as nossas teses. Estas porém não foram apresentadas ao Congresso. Só passaram no Congresso as teses emanadas do próprio Comité Executivo.

Propuséramos ao Comité Executivo fazer relatórios suplementares sobre certas questões. Responderam-mos que era preciso fazê-los nas comissões. Mas as comissões não fizeram mais que constituir-se e não funcionaram (expecto a comissão da situação económica).

A primeira sessão do Comité Executivo teve lugar no teatro Bolchoi. Era tal e qual um dia de recepção. Zinoviev abriu o Congresso com um apanhado geral sobre a III Internacional. Os diferentes delegados fizeram uma comunicação sobre a situação nos respectivos países. A sessão terminou com um concerto e um recital pelos cantores mais eminentes da Rússia. O que desencadeou maior entusiasmo foi Chaliapine (o Caruso russo), que no final fez cantar a todo o Congresso uma canção popular russa. Em resumo: começando por Zinoviev, acabado por Chaliapine. Mesmo assim não foi somente um dia de recepção; no meio de toda esta confusão, fixou-se a ordem do dia e elegeu-se o Presidium do Congresso.

No segundo dia, Trotsky fez uma comunicação de três horas e um quarto sobre a situação económica mundial. Entre as particularidades assinaláveis ou não da sua exposição, o ponto central acabou por se tornar claro: o proletariado deve ter em conta o facto de que a revolução vai tardar e deve por consequência adoptar uma táctica de longa preparação, visto o capitalismo estar a retomar as suas forças e a superar as dificuldades. Como indício da superficialidade da análise de Trotsky (que despreza o novo conluiou internacional do capital mundial), citamos a passagem seguinte da sua exposição, em que profetiza, com a segurança de um calendário, o deflagrar da guerra anglo-americana:

"Em 1924 a tonelagem da frota americana será, segundo o programa que adoptou, nitidamente superior à das frotas inglesas e japonesas juntas. A Inglaterra tinha como princípio director até agora que a sua frota tinha que ser mais poderosa que a aliança das duas frotas que se lhe seguiam em importância. Muitos americanos do partido democrático proclamam: em 1923, talvez mesmo no fim de 1922, seremos tão fortes como a Inglaterra. No entanto, o MOMENTO MORI está assinalado no calendário da Inglaterra: se perdes esta ocasião estás perdida."

"Tivemos a paz armada antes da guerra. Dizia-mos: dois comboios, na mesma linha, avançam um para o outro, devem chocar. Mas não se notara que havia uma estação entre os dois. A hora ainda não soara. Desta vez temo-la escrita no calendário mundial da História. Isso deve acontecer em 1923 ou 1924. ou a Inglaterra diz: vou ser posta de lado e tornar-me uma potência de segunda ordem, ou então tem que lançar todas As forças herdadas do seu grande passado no jogo da guerra e arriscar durante um período limitado todo o seu destino nesta cartada."

A nossa exposição sobre a mesma questão não foi aceite. Na medida em que o tempo de palavra estava limitado a dez minutos por pessoa, aplicámos a seguinte táctica: a exposição seria feita por diversos camaradas repartindo-se sobre a mesma matéria; dois camaradas do K.A.P.D. falaram então (os discursos dos camaradas Sachs e Seemann estão impressos em KAMPFRUF n.º 14 e 15.

No que respeita às teses expostas por Trotsky sobre a situação económica mundial, a nossa delegação já as criticara durante os trabalhos da comissão (esta crítica está impressa no nº218 do citado jornal). Inúmeras críticas lhe fora dirigidas, mas Trotsky continuou a afirmar que estas teses deviam ser adoptadas em princípio. Apenas poderiam ser objecto de correcções redacionais. Apesar de Frolich do V.K.P.D. se ter oposto, estas teses foram em seguida adoptadas em princípio segundo a proposta de Trotsky. Na altura da votação sobre esta questão, apareceu uma cisão no V.K.P.D.

Entretanto a comissão de verificação de mandatos fez o seu relatório. A explicação de Radek sobre o problema da admissão dos "esquerdistas" búlgaros é a esse respeito muito característica: "O grupo dos ditos "esquerdistas" búlgaros não pode atribuir-se nenhuma actividade própria e nós consideramos totalmente inoportuno atribuir um prémio a pessoas que realizam um trabalho de desorganização, dando-lhe voz consultiva no Congresso. A admissão dos "esquerdistas" búlgaros foi recusada; foi contrário, o partido comunista oficial da Bulgária, de caracter puramente social-democrata, que constituiu a secção oficial da III Internacional."

A seguir, teve lugar o relatório do Comité Executivo. Zinoviev relatou a actividade da Comissão Executiva durante os últimos anos, defendendo a opinião, sustentada pelo Comité Executivo, sobre a observação estrita dos 21 pontos, principalmente também no que respeita ao partido italiano, à Acção de Março e ao K.A.P.D. Mais tarde, a atitude do Comité Executivo durante o ano foi alvo de críticas no sentido de que o Partido Socialista Italiano devia ter sido readmitido na III Internacional, se se mostrasse disposto a sacrificar Serrati.

Do mesmo modo, os duros ataques do Comité Executivo contra Levi e consortes foram habilmente substituídos pela acusação de "quebra de disciplina". Foram tratados de forma amável, tendo-se mesmo chegado a um reconhecimento total do oportunismo levista. Depois do relatório fez-se a leitura do Aviso ao proletariado alemão, já bem conhecido, acerca do caso Max Holz, onde se descreve Max Holz como um corajoso rebelde contra a sociedade capitalista. Os seus actos correspondem ao seu amor pelo proletariado e ao seu ódio à burguesia, mas não são os mais próprios. A I.C. opõe-se ao emprego que ele faz do terror. O K.A.P.D. protestou contra este aviso; demonstrou que este aviso se dessolidarizava dos actos de Marx Holz; que não passava de um insulto. Radek protestou contra essa perturbação dizendo, entre outras coisas, que o K.A.P.D. ia até ao ponto de regatear sobre o túmulo dos que tinham caído.

Começaram depois as discussões sobre o relatório do Executivo. Foi a delegação do K.A.P.D., respondendo a Zinoviev, que o atacara na sua comunicação, divertindo-se a metê-lo no mesmo saco que os Dittmann, fez, em conclusão das suas intervenções, a seguinte declaração:

"Protestamos com extrema firmeza contra a tentativa de nos meterem no mesmo saco que os Dittmann e os Serrati por meio de algumas citações abstraídas do seu contexto. Não esquecemos nem por momentos as dificuldades em que se encontra o Poder Soviético, por causa do atraso da revolução mundial, mas estamos ao mesmo tempo conscientes do perigo de surgir, de todas estas dificuldades, uma contradição entre os interesses do proletariado revolucionário mundial e os interesses momentâneos da Rússia soviética - contradição aparente ou real.

Numa sessão de comissão, declarou-se que não se devia considerar a III Internacional como um instrumento do Poder soviético, mas que este era o mais forte bastião da III Internacional. Também nós pensámos que assim deveria ser. Mas julgamos que, quando surgem contradições entre os interesses vitais do Poder soviético e os da III Internacional, é um dever explicá-los aberta e fraternalmente, no interior da III Internacional.

No que respeita à solidariedade prática com a Rússia Soviética, sempre cumprimos os nossos deveres, que se impunham naturalmente. Por exemplo, a celebração do aniversário de Outubro com manifestações uma maior participação na ajuda aos soldados detidos do Exército Vermelho, a preparação de uma acção de solidariedade em Agosto de 1920; tendo esta falhado por culpa do U.S.P.D. e do Partido Comunista. A manifestação da nossa solidariedade com a Rússia Soviética foi um dos motivos determinantes do nosso partido quando decidiu aderir à III Internacional, apesar das graves apreensões no que diz respeito à táctica desta organização.

Mantemo-nos nesta linha, mas oporemos a mais dura resistência onde e quando quer que constatemos que a política da Rússia Soviética tem como efeito uma prática reformista da III Internacional . Estamos convencidos que um tal reformismo contradiz tanto os verdadeiros interesses da Rússia Soviética como os do proletariado mundial."

No dia seguinte de discussão sobre o relatório do Executivo teve lugar o bem conhecido ataque contra o K.A.P.D. O nosso n.º 214 relata-o.

Em relação à votação sobre este "ultimatum" dirigido ao K.A.P.D., apresentamos, apesar de tudo, a moção seguinte:

" 1) As 21 condições do Segundo Congresso são ainda menos capazes, no futuro do que até aqui, de criar qualquer garantia contra a putrefacção reformista.

2) Após a criação e admissão dos grandes partidos de massas, a III Internacional tem necessidade, mais do que nunca, da presença de uma oposição puramente revolucionária proletária.

3) Uma tal oposição só será eficaz se não for esmagada pelo aparelho e pela quantidade de votos de um partido que quer a todo o custo (e por princípio) unificar as massas atrás de si e que não pode, necessariamente, deixar de ser oportunista.

4) Particularmente o Partido Comunista Unificado (V.K.P.D.) está hoje, quanto aos princípios tácticos, no terreno de Paul Levi. A própria ala esquerda é, no melhor dos casos, prisioneira de uma fatal predisposição para o engano.

5) Em conclusão, formam-se actualmente, em todos os países do Komintern, correntes semelhantes ao K.A.P.D., mas que só poderão continuar a desenvolver-se no interesse da revolução proletária e da Internacional, se o K.A.P.D., como partido independente, puder subsistir no interior da I.C.

Por todas estas razões propomos:

Que o Congresso decida a permanência do K.A.P.D. na I.C. como organização simpatizante."

A propósito da táctica foi Radek que fez o relatório. Propusemos uma comunicação suplementar, mas só foi concedida uma hora de intervenção para toda a nossa delegação. Apresentamos o nosso ponto de vista (renúncia aos métodos parlamentares e sindicais) e, em vez disso, exigimos a aplicação dos métodos do Partido Comunista Operário (K.A.P.D.) e da União Geral Operária (A.A.U.).

Durante alguns momentos, o V.K.P.D. defendeu na discussão a ofensiva durante a Acção de Março. Mas cedo apareceu o fenómeno típico seguinte: depois de Clara Zetkin falar e de todos alinharem com ela, de Lenine e Trotsky lhe terem dado razão e condenarem Levi unicamente por quebra de disciplina, as veleidades "esquerdistas" da delegação do V.K.P.D. desapareceram. Radek censurou a Rote Fahne por ter entrado muito subitamente, muito precipitadamente, na Acção de Março. Friedland do V.K.P.D. anuiu.

As teses apresentadas sobre esta questão foram reenviadas à comissão para serem reelaboradas. Antes do fim do Congresso teve lugar uma votação sobre a questão da táctica justa. Com vista à votação apresentámos a seguinte nota:

" As teses apresentadas à votação do 3º Congresso são a continuação consequente e mesmo intensificada da linha fundamental do 2º Congresso, assim como da política seguida até aqui pelo C.E. Deixam à "intelligentsia" traidora dos oportunistas e dos reformistas de todos os países um campo de acção ilimitado no seu trabalho de mistificação, em particular se confrontarmos estas teses com as teses sobre a situação económica mundial. Introduz-se uma confusão que contradiz a própria ideia de revolução. Suprimiram-se as linhas de demarcação clara com os Hilferding; abandonou-se a relação orgânica com a realidade da luta de classes moderna.

A pretensa esquerda do Congresso, pressionada pelos operários revolucionários que constituem a sua base, empreendeu fracas tentativas para corrigir as teses tácticas. Estas tentativas foram rejeitadas com razão pela maioria como inconsequentes. Também nós não as apoiámos. Testemunham, sem dúvida, uma boa vontade de desenvolver a actividade revolucionária, mas não têm em conta as condições concretas da luta; não atacam nem o fundamento burguês parlamentar das 21 condições nem a tendência global das teses que esses fundamento subentende; estas tentativas tornaram-se, por isso, um obstáculo a um ulterior esclarecimento.

A preparação da vitória da revolução proletária nos países capitalistas só se podem fazer nas próprias lutas. Essas lutas nascem, necessariamente, dos ataques económicos e políticos do capital. O Partido Comunista não pode desencadear essas lutas; também não pode recusar o combate, pois então sabota a preparação da vitória. Só opondo a todas as ilusões das massas a plena clareza da finalidade e dos métodos das lutas poderá obter a longo prazo a direcção dessas lutas. Somente assim pode vir a ser, por um processo dialéctico, esse núcleo de cristalização dos combatentes revolucionários que durante a luta obtêm a confiança das massas.

"Ao opormo-nos - em consequência desta declaração - por todas as formas possíveis à adopção das teses sobre a táctica, remetemos para as teses que tínhamos apresentado sobre o papel do partido na revolução proletária."

Lenine fez o relatório sobre a táctica do Partido Comunista Russo. Apresentou a nova linha do Governo russo no que respeita á política das concessões, do comércio livre, etc., e defendeu-a. A nova conduta da Rússia é conhecida e foi criticada em diferentes ocasiões. Um camarada do K.A.P.D. interveio contra a exposição de Lenine.

Isso levou Radek a tomar a palavra. Depois dele foi a camarada Kollontai da oposição operária russa. A sua intervenção foi um acontecimento que se pode considerar cheio de consequências a longo prazo. Até aqui ninguém tinha ousado intervir publicamente contra a política actual dos bolcheviques e do Governo soviético. A camarada declarou que era obrigada a colocar a disciplina revolucionária acima da disciplina do partido. Atacou em particular a política bolchevique "que prepara o regresso ao capitalismo" que repele os operários prestes a construir um sistema soviético".

Trotsky interveio imediatamente e tentou, em desenvolvimentos muito longos, ridicularizar a camarada Kollontai. Não Pôde, num entanto, enfraquecer os seus argumentos. A delegação do K.A.P.D. falou, mais uma vez, sobre o problema. Sublinhou, em particular, que não tínhamos ainda intervindo nos negócios internos do partido russo mas que agora, depois de tomar conhecimento dos argumentos da camarada Kollontai, éramos obrigados a tomar uma posição ainda mais crítica em relação ao Governo soviético.

Nesse momento a camarada Roland Holst, da minoria holandesa, sentiu-se obrigada a apoiar o P.C.R. contra os nossos ataques, declarando que o P.C.R. estava, e sempre estivera, à esquerda.

Sobre a questão sindical, Zinoviev e Hechert do V.K.P.D. fizeram a sua comunicação no meio da mais completa indiferença do Congresso. Foi de novo concedido o tempo de uma hora para toda a nossa delegação. O Congresso tapou então os ouvidos. As nossas teses sobre a questão sindical foram reenviadas à Comissão, que recusou aceitá-las como base

de discussão, argumento que "o Congresso tinha, pela sua atitude, rejeitado as concepções do K.A.P.D." Pedimos, antes da votação das teses propostas pelo gabinete reduzido do C.E., para reexplicar as nossas teses numa curta intervenção de conclusão. Isso foi-nos recusado.

Questão da juventude: relatório de Munserberger. Questão das mulheres, questão do Oriente, nada disso suscitou qualquer interesse da parte do Congresso.

Depois de, a despeito de todos os ataques e desfigurações de que fomos objecto, apesar das manobras para nos obrigar ao silêncio, tentamos em vão prevenir a III Internacional contra o seu naufrágio total no oportunismo, fizemos o balanço do Congresso, exigindo que o K.A.P.D. se sujeite à disciplina DESTA Internacional, a nossa resposta foi a seguinte:

"A delegação do K.A.P.D. submeteu a um novo exame os resultados do Congresso, tanto no que respeita à decisão que deverá tomar face à deliberação do Congresso que exige de forma ultimativa a dissolução do K.A.P.D. no V.K.P.D. como quanto às nossas relações com a III Internacional. Com plena consciência da gravidade das responsabilidades que toma, a delegação estabeleceu, por unanimidade, as conclusões que seguem:

"a luta táctica contra o K.A.P.D. durante o Congresso foi levada acabo, desde o início, sob a forma de uma luta contra o adversário, cujos argumentos não devem ser apreciados quanto ao seu fundamento e cuja existência, como factor político, deve ser destruída, sob o pretexto da disciplina.

A isso corresponde os seguintes factos:

1) Foi dada aos participantes do Congresso, desde há várias semanas, uma imagem completamente falsa do K.A.P.D., por artigos tendenciosos na impressa russa, na Internacional Comunista e no Jornal do Congresso. Mas as nossas posições de fundo e as nossas rectificações não eram publicadas.

2) A maneira como o Congresso foi conduzido fez com que fossemos permanentemente obrigados a fraccionar a livre expressão das nossas posições. Que esta táctica tenha sido maduramente reflectida, sobressai, de forma particularmente clara, do facto de não nos ter sido dada sequer possibilidade de redigir uma comunicação ou simplesmente uma comunicação suplementar sobre o caso que nos diz directamente respeito, o caso do K.A.P.D. Isso obrigou a que nos recusasse-mos a falar para não nos tornarmos cúmplices involuntários de uma fantochada.

3) Como fundamento para o ultimato que nos foi dirigido, foi dada a conhecer aos congressistas uma pretensa resolução do C.E. E isto, apesar do C.E. não se ter, em nenhuma sessão, ocupado deste assunto, apesar de não nos ter ouvido e de não ter, por maioria de razão, podido tomar uma decisão sobre este problema.

4) Esta questão, que permaneceu durante uma semana num dos últimos pontos da ordem do dia como coisa a tratar de forma separada, não foi sequer discutida, nem sequer em particular connosco, com vista ao relatório do C.E. (segundo ponto de ordem do dia). Foi regularizada por uma "decisão". Chegou-se assim ao resultado esperado: antecipar-se ao julgamento do Congresso antes que este tivesse ocasião de tomar conhecimento das nossas posições durante o debate sobre as questões de princípio.

Este comportamento formal está em estreita relação com a linha política na qual evolui a III Internacional, sob influência determinante dos camaradas russos. O decurso do Congresso mostrou-o: a linha política de Paul Levi venceu no Congresso: o reconhecimento formal da Acção de Março revelou-se como " liberdade de revolução".

O partido checoslovaco foi admitido como secção em pleno exercício, mas sem nenhuma garantia real e com base em promessas vazias. Poupou-se cobardemente o seu chefe oportunista Sméral. No que respeita ao Partido Socialista Italiano, que acaba de concluir um acordo com os fascistas, tudo foi tratado delicadamente numa confusão de pormenores. A participação de princípio nos parlamentos burgueses foi mantida, a despeito das tristes experiências feitas na Alemanha, na Áustria, na França, etc., apesar dos resultados das caricaturas deste dito parlamentarismo revolucionário. Reafirmando a política funesta do trabalho nos velhos sindicatos, apesar de todos os argumentos, o Congresso inclinou-se perante Amsterdão; defendeu-se a cegueira, o erro capitalista do parlamentarismo económico. Até a ideia ridícula da revolucionarização das cooperativas do consumo o Congresso suportou sem pestanejar.

Tudo isto prova que se continua a seguir o caminho encetado no 2º Congresso, que se continua a percorrer falsos caminhos: da revolução ao reformismo; da esfera da luta à táctica da diplomacia ao tráfico e ao remendo ilusório das contradições. Todos estes exemplos justificam o protesto (contra a adopção das teses sobre a Táctica) que nós apresentamos para publicar nos processos verbais.

São estes factos que se devem ter em conta (quando se considera a resolução exigindo a nossa dissolução no V.K.P.D.) para reconhecer que tal ultimato é totalmente inaceitável para o K.A.P.D. Esta reunificação significaria subordinar-se à disciplina de um partido em decomposição, em que o reformismo tomou o comando sob a influência do Congresso. Seríamos amordaçados por um aparelho organizacional (Impressa, finanças, cliques dirigentes) que está montado contra nós. Qualquer esperança de ter influência salvadora num tal partido seria privada de fundamento real. A atitude da delegação decorre de todos estes factos. Mesmo sem ordem especial do partido.

"Repudia por unanimidade o "ultimatum" que obriga à fusão com o V.K.P.D.

Não declaramos a saída do K.A.P.D. da III Internacional, se bem que tenhamos plenos poderes para agir em nome do nosso partido. Os nossos camaradas pronunciar-se-ão sobre isso. Responderão à pretensão de os fazer percorrer com outros o caminho do reformismo e do oportunismo. O proletariado internacional espera essa resposta.

A nossa decisão foi tomada com plena consciência da sua gravidade. Estamos plenamente conscientes da nossa responsabilidade perante os trabalhadores alemães, perante a Rússia Soviética, perante a revolução mundial. A revolução não se deixará manietar por uma resolução de congresso. Vive e continua o seu caminho. Mantemo-nos com ela, seguimos o nosso caminho ao serviço dela."

Assinado: A Delegação do K.A.P.D.

Decidiríamos ler a nossa declaração no fim do Congresso, para dizer publicamente a nossa opinião a todos os delegados. Mas não foi autorizado pelo Presidium. Só nos permitiram introduzir a nossa declaração nos processos verbais.

Compreendemos porque procediam assim...

Todo o Congresso estava num estado de entusiasmo cego. Os aplausos não tinham fim, os "flashs" disparavam e as câmaras rodavam. A nossa declaração nesse momento teria sido uma acusação, um aviso como outrora o aviso a Babilónia.

Mas os encenadores do Teatro Bolchoi não iriam escapar assim tão facilmente. Durante a reunião do Comité Executivo que teve lugar no dia seguinte onde estavam presentes os representantes de todos os países, a nossa declaração foi, apesar de tudo, lida pela delegação e originou seguramente a ressaca, que sucedeu necessariamente à embriagues das resoluções adoptadas no barulho e no tam-tam, a mais do que um representante do proletariado revolucionário.

Deve ser ainda referido que a nossa delegação só foi admitida à sessão do Comité Executivo para ler a declaração e teve a seguir que se retirar. Foi na sua ausência que o Comité Executivo discutiu a questão do K.A.P.D. e tomou uma resolução que comunicou à nossa delegação. Essa declaração diz:

"Apesar de a declaração do K.A.P.D., que representa uma declaração de guerra à Internacional Comunista, o Comité Executivo novamente eleito decidiu:

1) Publicar imediatamente uma carta aberta circunstanciada aos membros do K.A.P.D. e exigir-lhe uma decisão no prazo de dois meses.

2) Enviar uma delegação ao eventual congresso do K.A.P.D.

3) O delegado do K.A.P.D. está, no fim da resolução do Congresso, autorizado a participar provisoriamente no Executivo, a título consultivo."

Os membros do K.A.P.D. podem dar a resposta que convém a esta declaração do Comité Executivo. Conhecemos o processo, conhecemos o texto. O balanço do Congresso é este: a orientação de Levi venceu em toda a linha. A Acção de Março foi renegada. A "teoria da ofensiva revolucionária" foi posta ao nível das doenças infantis. O K.A.P.D. foi excluído da III Internacional.

Camaradas! Fizemos o que pudemos. Agimos como os membros do partido o exigiam. É sem nenhum compromisso e sem nenhuma concessão ao oportunismo e à fábrica de ilusões que é a III Internacional que nós seguimos, no 3º Congresso mundial, a nossa própria via.

O K.A.P.D. encontra-se perante tarefas gigantescas. Terá de resolvê-las rapidamente ao nível do pensamento, das decisões e da acção, para que a revolução mundial do proletariado saia vitoriosa, de forma igualmente rápida e decisiva!

(*) Relatório feito na sessão do Comité Central de 31/7 /1921