PRINCIPIO DO ANTAGONISMO ENTRE O GOVERNO DOS SOVIÉTES E O PROLETARIADO

Este antagonismo teve início, no plano teórico, no começo do último ano. O problema das organizações sindicais russas ilustrou imprevistamente a profundidade das divergências no seio do Partido Comunista Russo; conduziu às mais acérrimas discussões. Durante uma delas Bukarine foi interpelado por Lenine como sindicalista anarquista. Apareceram aproximadamente uma dezena de tendências, mas três delas tornaram-se rapidamente as principais.

As organizações sindicais, condenadas então à inactividade, tinham-se tornado amorfas por causa da forma como os especialistas e funcionários do Partido Comunista dirigiam a administração e a produção. O seu número que em Março de 1917 atingia dificilmente 1500 tinha passado a vários milhões.

Que fazer destas organizações de classe? Uma vez que a revolução tinha realizado a abolição do patronato, seu objectivo natural - a luta contra os patrões pelo aumento de salário e melhoria das condições de trabalho - parecia já ultrapassada. De qualquer maneira, constituídas por milhões de proletários, a sua dissolução era unanimemente rejeitada.

Chiapnikov era de opinião que toda a administração da indústria devia passar das mãos do Partido Comunista para os sindicatos, afim de lhes dar vitalidade e força nova. A grande maioria dos membros dos sindicatos (chamada "oposição operária") pôs-se ao seu lado.

Trotsky, pelo contrário, representante do princípio "militarista" declarou nas suas teses que a direcção da produção devia ficar sob o controlo directo do Partido Comunista. só um pequeno número de aderentes das organizações sindicais o apoiou.

Lenine, o homem de soluções fácies, político de caminhos cómodos, propôs na sua moção não baralhar de momento as relações entre o Governo dos Sovietes, o Partido Comunista e os sindicatos, e na melhor das hipóteses deixar os sindicatos tomar parte, dentro de certos limites, na administração da produção através das delegações dos Comités Centrais do Comissariado para a produção. Por outro lado, os sindicatos deviam ser considerados como "escolas de comunismo" no interior das quais os membros do Partido deviam conduzir o resto do proletariado ao comunismo. O próprio ponto de vista de Lenine apenas recebeu os favores dum pequeno número de membros dos sindicatos.

Porque razão encontrou Chiapnikov um apoio tão profundo nas fileiras do proletariado? Ultrapassava o simples desejo de tomar conta dos diversos ramos industriais; era a exigência resoluta, retumbante do proletariado russo à sua própria independência , era o desejo ardente de subtrair-se à tutela individual; era, em suma, o advento de uma consciência nova que se tinha tão rápida e maravilhosamente desenvolvido durante os últimos anos.

O desacordo entre o Governo dos Sovietes e o proletariado russo iria aprofundar-se perigosamente quando em Fevereiro, em Moscovo, milhares de operários se manifestaram pelo aumento das rações alimentares e quando, em Petrogrado, o descontentamento das massas alastrou consideràvelmente. A insurreição de Kronstadt causou os maiores embaraços ao Governo dos Sovietes.

As múltiplas circunstâncias das quais resultou a insurreição de Kronstadt podiam ser procuradas nos meses precedentes. A sua origem reside nos desacordos perpétuos que dividiam Trotsky e os marinheiros, que já não estavam dispostos a suportar mais a "ditadura vinda de cima" e pediam mais amplos poderes para a sua condição. Trotsky, como resposta, tinha-lhes suspendido víveres e material.

A POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO DOS SOVIÉTES - O SOCORRO À RÚSSIA DOS SOVIÉTES

A política externa de qualquer Estado é determinada pela sua política interna. O próprio Governo dos Sovietes se viu obrigado a conduzir a sua política externa em função das condições internas.

Os desejos e interesses dos camponeses, a sua posição capitalista de detentores de propriedade privada tornaram-nos pouco a pouco dirigentes do sentido da política externa do Governo dos Sovietes. Em consequência disso, a política externa toma gradualmente um carácter bem definido: por um lado, abandono do dever de vigilância, armas na mão, face ao capitalismo internacional, por outro, tendência para o "compromisso" com este formidável e eterno inimigo.

Os resultados de uma tal política não se fizeram esperar. Primeiro a política de concessões: atribuição de grandes regiões de território da República dos Sovietes aos capitalistas estrangeiros para lhes

explorarem a riqueza do solo; depois pela chamada política comercial: restabelecimento de relações comerciais com os Estados capitalistas até ao restabelecimento parcial das relações diplomáticas; em terceiro lugar: aliança estreita do Governo dos Sovietes com as ditas "nações" do Próximo e Médio Oriente.

O dia-a-dia da política externa do Governo dos Sovietes conduziu já ao reconhecimento da paz de Brest-Litovsk. Elemento de discussão cuja solução foi precedida pelo aparecimento no seio do P.C.R. de várias opiniões contraditórias.

As guerras do Governo dos Sovietes, durante os últimos anos, evidenciam a sua natureza íntima. Semelhantes às guerras da revolução pequeno-burguesa francesa no final do século XVIII. Ainda que as forças combatentes fossem exclusivamente formadas por operários, o "esforço de guerra" do Governo dos Sovietes era já essencialmente de protecção ao camponês capitalista, a protecção da propriedade pessoal dos camponeses contra as tentativas da aristocracia feudal de reinstalar a grande propriedade fundiária.

Durante os últimos meses, a política do Governo dos Sovietes entrou numa nova linha directiva, decisiva. A Rússia dos Sovietes foi abalada por uma catástrofe natural desastrosa. Uma seca destruiu a totalidade das colheitas em vários territórios: Volga, Don, Cáucaso Setentrional e Ucrânia.

O Governo dos Sovietes lançou um apelo de socorro a todo o Mundo. Com uma surpreendente prontidão a classe capitalista declarou-se pronta a dar uma ajuda "apolítica" à Rússia dos Sovietes.

Sempre na Rússia, os ministros de Kerensky, libertados da prisão, trabalham para o futuro de mão dada com o Governo dos Sovietes. Dois deles, um dos quais foi presidente da Duma, foram mesmo ao estrangeiro recolher os socorros.

Briand negoceia em Paris com Kerensky. Na Alemanha constitui-se um Comité de Auxílio composto pelos industriais mais conhecidos, por banqueiros e professores da Universidade. Na Inglaterra, a Câmara dos Comuns apela para a nação: está nomeada uma comissão provisória. O "Times" num artigo de fundo, defende a necessidade de um socorro imediato e internacional, com exclusão de qualquer motivo político.

O Conselho Supremo decide a nomeação de uma comissão para o Socorro à Rússia Faminta. É composta por três membros de cada país representado. Esta comissão é só o primeiro agrupamento de uma grande comissão internacional que terá como tarefa examinar a importância dos subsídios atribuídos à Rússia. Tomarão lugar nela os representantes dos países neutros como os das sociedades filantrópicas, das diferentes Cruzes Vermelhas Internacionais.

O pedido de socorro lançado pelo Governo dos Sovietes ao Mundo inteiro esclareceu nitidamente a situação. O Governo dos Sovietes entrega o seu país, a sua revolução e o seu proletariado, atados de pés e mãos, à burguesia internacional, a qual, obediente, pronta, com a rapidez de uma mobilização, responde ao apelo. A perspectiva dum lucro ilimitado mais extenso pô-la em movimento.

Nada pode parar o progresso dos acontecimentos e obscurecer a verdade. Nós exprimimo-la sem reticências inúteis, sem sentimentalismo: A Rússia proletária de Outubro Vermelho torna-se um Estado burguês.

É a grande catástrofe que ameaça hoje a Rússia dos Sovietes. É agora muito útil ficar calmo, de espírito claro. Agora é necessário dizer abertamente a todo o proletariado o estado efectivo das coisas. Qualquer tentativa de mentir, qualquer tendência para esconder os factos e as suas consequências inevitáveis constitui uma fraude, um delito contra a revolução proletária.

AS CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DA REVOLUÇÃO RUSSA

Fundamentalmente, o que hoje acontece na Rússia é uma revolução burguesa feita por comunistas.

Os bolcheviques fizeram os possíveis, mas a tentativa para saltar do feudalismo ao comunismo falhou, dadas as condições dominantes na Rússia. Examinemos a palavra de ordem pelo qual os bolcheviques tomaram o Poder: "Paz imediata, direito dos povos a disporem de si mesmos." A segunda palavra de ordem: "Todo o Poder aos Sovietes de operários e soldados" encontrou um apoio geral das massas, depois destas terem compreendido que todo o Poder devia passar para as suas mãos, justamente para poder realizar a primeira palavra e ordem. Porém, a primeira palavra de ordem, do ponto de vista da política externa do proletariado (transformação de guerra imperialista em guerra proletária depois de tomado o Poder pelos proletários) implicava um sentido totalmente burguês pacifista.

OS EFEITOS IMEDIATOS DA POLÍTIVA DO GOVERNO DOS SOVIÉTES

Para além do destino específico da industrialização, o capitalismo implica uma outra função histórica: a criação de grandes massas de trabalhadores que põem à disposição do capital, pelo salário, a sua mercadoria-trabalho, quer dizer, para defini-los numa só palavra, o proletariado.

O capitalismo criou, pouco a pouco, na sociedade humana, a divisão entre as classes e mais exactamente a ruptura da sociedade em duas classes irreconciliáveis: a burguesia e o proletariado. O capitalismo produz o antagonismo de classe e, por consequência, a luta de classes entre a burguesia e a classe trabalhadora.

A introdução do capitalismo na Rússia, tal como o Governo dos Sovietes a prevê actualmente, deverá necessariamente ser seguida de uma igual divisão entre as classes, de uma mesma luta de classes.

Basta conhecer pelo menos o ABC do marxismo, para saber que de toda essa liberdade de comércio ressurgirá uma divisão entre proprietários de capital e proprietários de mercadoria-trabalho; quer dizer, divisão entre capitalistas e trabalhadores assalariados; quer dizer, reintrodução da escravatura assalariada do sistema capitalista.

Pelo reconhecimento das exigências dos camponeses no que diz respeito à liberdade de produção, liberdade de comércio, concessões políticas ao exterior, o Governo dos Sovietes deixa de ser um governo do proletariado. Nenhum Governo pode servir dois patrões ao mesmo tempo: é impossível ser ao mesmo tempo dirigente político da burguesia e do proletariado.

Nesse sentido, o proletariado russo perdeu o controlo do Estado. O Governo dos Sovietes caiu, vítima da sua própria política. Para o futuro, a Rússia está prestes a tornar-se a Rússia sovietista dos camponeses e da burguesia russa. O Governo dos Sovietes, levado por necessidades económicas, torna-se um representante do capitalismo.

Estamos em total desacordo - por boas que sejam as suas intenções - com a inefável ingenuidade da Rote Fahne, que declara sinceramente que "um aspecto essencialmente paradoxal que ressalta da crise do capitalismo é o da burguesia ter de ajudar o seu inimigo de classe."

Pelo contrário, o Governo dos Sovietes é obrigado pelo capitalismo internacional a assumir a função do protector dos interesse e dos lucros deste último; quer dizer, é obrigado a tomar uma atitude hostil ao proletariado, igual à que o Governo alemão teve que assumir. O capitalismo internacional tende a fazer da Rússia, como da Alemanha, um instrumento para a realização dos seus lucros.

Pensar que o capitalismo internacional seja capaz de cometer a estupidez de ajudar o seu irredutível inimigo, como faz o Partido comunista Unificado (V.K.P.D.), significa nada compreender da essência do sistema capitalista actual.

A penetração capitalista na Rússia dos Sovietes, penetração actual, não significa somente o fim do Governo dos Sovietes enquanto Governo do proletariado, mas ao mesmo tempo a oferta ao capitalismo internacional de novos meios, de novas facilidades para ultrapassar a sua formidável crise, ao mesmo tempo que pôs novas dificuldades e novos obstáculos à revolução proletária internacional. É esta e não outra a consequência inevitável da política actual do Governo dos Sovietes.

Este deve necessariamente, agora aliado com a burguesia, tornar-se um Governo de oposição à classe operária russa. O Governo dos Sovietes é no fundo o P.C.R. Deste modo, o P.C.R. tornou-se antagonista da classe trabalhadora, porque defende, como Governo dos Sovietes, os interesses da burguesia a expensas do proletariado. Este estado de coisas não pode continuar: O Partido Comunista Russo deverá dividir-se.

Paralelamente às organizações sindicais russas, hoje, organismos sem vitalidade e despidos de expressão, ainda que numericamente poderosos, deverão cindir-se antes que uma nova vida os reanime.

Quando as organizações sindicais, sob pressão económica, tal como o Partido Comunista, se dividirem, surgirão muito provavelmente três grupos: o dos burocratas e conservadores que permanecerá, enquanto Comissariado do Trabalho, filiado ao Estado russo; o mais numeroso, que reunirá sobre um plano económico as organizações sindicais semelhantes às da Europa Ocidental, prosseguirá a sua luta contra a venda da mercadoria-trabalho em condições muito miseráveis, sem todavia lutar pela abolição definitiva da venda da mercadoria-trabalho; e, finalmente, o que se unificará numa organização puramente revolucionária, lutando por todos os meios possíveis, sem exclusão, que o proletariado possa utilizar. Dado o antagonismo classista entre a burguesia e o proletariado surgido depois dos acontecimentos recentes, outras formas de organização totalmente independentes surgirão entre o proletariado russo.

Tendo em conta a sua forma, a sua táctica e o seu objectivo, estas últimas encontrar-se-ão avançadas em relação ao P.C.R. actual: com o tempo estas organizações tenderão a identificar-se espiritualmente e materialmente com a forma que tomaram o Partido Comunista Operário e a União Geral dos Trabalhadores.

Irão na táctica muito mais longe que a oposição operária russa; tomarão um caracter nitidamente revolucionário proletário. A instauração do capitalismo e a industrialização da Rússia dos Sovietes, a introdução da mecanização da agricultura implicarão uma transformação radical nas relações entre as classes nas zonas agrícolas russas. Por consequência, verificar-se-á indubitável e rapidamente uma divisão capitalista das classes. A mecanização introduzida dividirá bruscamente a actual unidade de classes dos pequenos proprietários da terra em duas classes distintas: a dos camponeses-proprietários e a dos trabalhadores agrícolas. Esta última optará e organizar-se-á gradualmente no seio da vanguarda da revolução proletária entre o campesinato.

A transformação radical que se verificou no carácter do Governo dos Sovietes levará a uma mudança igualmente radical quanto à atitude do proletariado revolucionário internacional face ao Governo dos Sovietes.

O proletariado revolucionário tem, até aqui, defendido e apoiado incondicionalmente o Governo dos Sovietes porque, enquanto representantes do proletariado industrial russo, realizou os seus projectos tendentes à abolição da propriedade privada e também porque combatia valentemente com a pequena burguesia e os camponeses contra a aristocracia feudal.

A primeira destas condições desapareceu. O proletariado internacional deve hoje condenar o Governo dos Sovietes e a sua nova política de um duplo ponto de vista: do proletariado revolucionário russo e do seu próprio. O apoio incondicional ao Governo dos Sovietes implicaria no futuro duas espécies de consequências. Por um lado, significaria o consentimento em todas as medidas que este novo Governo burguês dos Sovietes tomasse contra o proletariado revolucionário russo, contra aquilo a que se chama "oposição operária russa", contra milhões de proletários que, como o descreve a camarada Kollontai, vivem, mesmo na Rússia dos Sovietes, uma vida degradante de forçados. Não há nenhuma dúvida que, posto em posição de escolher entre um Governo de um Estado burguês e um proletariado revolucionário internacional, o proletariado deve forçosamente vir em auxílio dos membros da sua própria classe, quer dizer da oposição dos trabalhadores russos.

Por outro lado, um apoio incondicional significaria também solidariedade às novas disposições internacionais do Governo dos Sovietes, o que implicaria a

obrigação de fazer propaganda e participar activamente na criação de um capitalismo no estrangeiro, portanto indirectamente à reconstrução do capitalismo internacional. O proletariado revolucionário internacional colocar-se-ia então numa posição contrária à revolução proletária e deveria, em vez de defender a palavra de ordem de "sabotagem e travagem do sistema de produção capitalista", apoiar a de "crescimento da produção nas perspectivas e sob condições capitalistas". É isso e nada mais que o Governo dos Sovietes pede.

Por isso seria uma loucura e uma traição em toda acepção da palavra seguir o Governo dos Sovietes nesta via.

O objectivo a atingir continua de momento a ser: desaparição da burguesia, tomada do Poder pelo proletariado. Isto diz respeito muito especialmente ao proletariado alemão. Somente a vitória do proletariado alemão a sua conquista do poder político teria podido salvar a Rússia do seu destino actual: teria podido poupar ao proletariado russo a miséria e a opressão do seu próprio Governo dos Sovietes.

Isolado o proletariado industrial é demasiado fraco para triunfar das massas esmagadoras dos pequenos proprietários camponeses, quanto mais para vencer a burguesia nacional e estrangeira. Porém, unido ao proletariado alemão, poderá sem mais ajuda vencer todos esses inimigos de classe.

Os camponeses russos e o seu imoderado apetite de propriedade privada da terra, com os seus múltiplos interesses pequeno burgueses, oporiam seguramente resistência às forças organizadas do proletariado alemão e russo; mas deveriam finalmente ceder, depois de uma luta intensa e sangrenta.

Porém, a hipótese de a psicologia dos camponeses vir a sofrer modificações só poderá ser realizada através de uma transformação radical das suas condições materiais.

As melhorias profundas da técnica na produção agrícola, pela utilização mais vasta de toda a espécie de máquinas agrícolas e electrificação geral contribuem grandemente para esse fim. O proletariado revolucionário internacional "tem dívidas" para com o proletariado russo, a respeito de uma infinidade de coisas. O proletariado russo fez-lhe ver os meios e os métodos que conduzem à conquista do poder político; tendo-lhe mostrado ao mesmo tempo a estrutura e a organização do Estado proletário; os Conselhos de Trabalhadores. Isto é o grande dado, o sucesso da revolução: o facto que supera todos os outros.

Hoje mais do que nunca (desde que o Governo dos Sovietes passou para o lado da burguesia) a responsabilidade da revolução internacional incumbe ao proletariado alemão. A Rússia dos Sovietes cessou toda a sua experiência como Rússia dos Sovietes. A Alemanha dos Sovietes será o primeiro passo para a revolução mundial.

O GOVERNO DOS SOVIETES E A III INTERNACIONAL DEPOIS DO TERCEIRO CONGRESSO MUNDIAL

O 3º Congresso da III Internacional uniu definitivamente e indissoluvelmente o destino da III Internacional ao Governo actual dos Sovietes, quer dizer a um Estado burguês. Subordinou os interesses da revolução proletária internacional aos interesses da revolução burguesa de um só país. Tirou assim à III Internacional toda a independência, pô-la sob a dependência directa da burguesia internacional.

O AUXILIO DO PROLETARIADO ALEMÃO À RÚSSIA DOS SOVIETES

Nenhum acontecimento podia mais clara e rapidamente demonstrar a verdade das nossas posições de que a orientação do Governo dos Sovietes e do Partido Comunista. Só se pensa e só se fala no destino das mercadorias na Rússia. As secções da III Internacional são obrigadas a transformar-se em intermediários entre o Governo pequeno-burguês campesino da Rússia dos Sovietes e da burguesia capitalista do seu próprio país, assim como para comprometer o proletariado internacional a pôr a sua mercadoria-trabalho ao serviço do capitalismo para a acumulação de lucros. Procedendo deste modo, a III Internacional, de acordo com a sua orientação teórica, põe-se praticamente ao serviço do capitalismo internacional para facilitar e consolidar a sua reconstrução.

O Partido Comunista Unificado da Alemanha com o seu manifesto para o auxílio à Rússia "faminta" subscreveu a sua bancarrota política. Impede-se no futuro de conduzir a acção no terreno da luta de classes contra a burguesia: praticamente rejeitou a ideia de revolução proletária. Propõe aos capitalistas alemães um compromisso a respeito do interesse comum em jogo na produção. Já não é o proletariado alemão que deve aumentar o auxílio aos trabalhadores russos, mas sim a burguesia alemã. Adopta a partir de agora o ponto de vista do sistema capitalista de produção, reconhece que os meios de produção devem continuar nas mãos da burguesia alemã. Convida a sua própria burguesia a garantir para a Rússia dos Sovietes créditos comerciais pagáveis a longo prazo e a entregar as mercadorias ao preço corrente do mercado interno. O proletariado russo é assim obrigado a comprar os meios necessários para triunfar das suas privações à burguesia alemã, é esta doce atenção que o Partido Comunista Unificado da Alemanha reclama do capitalismo alemão.

A política deste partido consiste para o futuro em transações comerciais capitalistas com todas as espécies de especuladores, empregando os próprios métodos da especulação. Isto não é nada comparado ao que faz quando procura fazer engolir ao proletariado alemão este desgosto, exclamando demagogicamente: "Os trabalhadores devem ter presente que o aumento das exportações para a Rússia com base em créditos a longo prazo e ao preço do mercado interno lhes abre imediatamente possibilidade de maior emprego".

Só há uma forma de auxílio, uma salvação: a revolução proletária. É desta forma e só desta que poderemos verdadeiramente auxiliar o proletariado russo. Será que temos dinheiro, trigo e medicamentos? Não é profundamente ridícula esta pergunta que o Partido comunista Unificado da Alemanha põe ao proletariado alemão? Nós não possuímos nada. Somos pobres. Somos famintos. A burguesia sim, possui todas as coisas. Podemos ajudar os nossos irmãos russos e a nós próprios caso saibamos conquistar pela violência todas essas coisas à burguesia que as detêm. É o que deve fazer o proletariado revolucionário internacional.

A BANCARROTA DA III INTERNACIONAL E A NECESSIDADE DE CRIAR UMA INTERNACIONAL REVOLUCIONÁRIA DOS TRABALHADORES COMUNISTAS

Depois do 3º Congresso, a III Internacional está indissoluvelmente ligada à política do Estado russo. Encaminha-se rapidamente para uma catástrofe semelhante à que paira actualmente sobre o Estado russo.

A magnifica tentativa de criar uma poderosa internacional revolucionária tornada hoje uma arma nas mãos do Governo dos Sovietes deverá atingir, tal como o Estado russo, o seu fim verdadeiro: A III Internacional tornou-se uma Internacional russa.

Isto é de tal maneira verdade que a Rússia dos Sovietes já não convida o proletariado internacional para a revolução proletária, antes o leva a levar a sua própria influência junto dos Governos capitalistas, onde a Rússia dos Sovietes se fornece de máquinas e outras mercadorias numa perspectiva essencialmente capitalista.

O proletariado revolucionário de todo o mundo encontra-se empenhado numa luta gigantesca contra as forças cada vez mais compactas e homogéneas do capitalismo internacional, sem dispor de uma organização internacional de luta que represente verdadeiramente, com coesão e sem hesitação, os interesses da revolução proletária.

A nova Internacional Comunista Operária deve estabelecer como objectivo a realização do princípio que caracteriza a época proletário-comunista; como primeiro passo nesta direcção, a destruição das forças de Estado capitalista bem como a criação de Estado dos Sovietes proletários.

Tal objectivo exige a ruína de qualquer tentativa que nos ponha sob a tutela da burguesia e do seu Estado: exige uma orientação abertamente revolucionária no desenvolvimento e na condução do combate.

O princípio condutor supremo - a Internacional Operária Comunista - não deve representar o interesse particular de uma revolução "nacional" ou ocidental europeia, deve ser o interesse comum do proletariado internacional: a revolução internacional.

A determinação da sua própria táctica deve evitar as lutas com pretensão, "a priori", de uma validade universal. Deve por outro lado definir como métodos próprios para a revolução proletária os que ela própria avança. Deve tomar por base a determinação do grau de desenvolvimento económico de cada um dos países e combater em toda a parte em que o duelo mortal esteja empenhado com os processos exclusivamente revolucionários, quer dizer, métodos anti-parlamentares, contra a burocracia sindical, ilegais em geral.

Os métodos de luta do Partido Comunista Operário da Alemanha decorrem do avançado grau de desenvolvimento económico da Alemanha. Em todos os países do regime capitalista, o proletariado - quando o capitalismo entra nesta fase - terá de recorrer a tais armas. É demonstração prática disso, o facto do progresso, para as formas tácticas e organizativas do Partido Comunista Operário da Alemanha, que se manifesta actualmente nos países que estiveram anteriormente intimamente associados à política do Estado burguês alemão e que, pela derrota sofrida na guerra mundial, foram lançados para uma situação política económica semelhante. Estes países são: a Áustria, a Bulgária, a Suíça alemã, a Holanda, o Luxemburgo, a Espanha, o México e a Argentina. Em todos esses países, os grupos comunistas operários convergem para uma posição idêntica à do Partido Comunista Operário Alemão; há zonas em que essas posições não foram ainda atingidas, porque o desenvolvimento das condições económicas do país em questão não está ainda tão maduro como na Alemanha.

Seria portanto perfeitamente errado profetizar o desenvolvimento histórico com base num axioma superficial.

As coisas devem desenvolver-se. A táctica do Partido Comunista deverá finalmente conduzir o proletariado à vitória.

Trata-se em relação à táctica adoptada em cada país de a ter em conta igualmente quando se abordar a forma a dar à organização da Internacional Comunista Operária. Ninguém pode dizer aqui que a Internacional Comunista Operária esteja já constituída. Deve desenvolver-se gradual e organizadamente como o fez o Partido Comunista Operário Alemão. A sua organização não pode vir do topo: tem que ser uma criação de base.

(*) Extracto de um manifesto de 1921, da Internacional Comunista Operária.