PADRES: Designam-se por este nome todos os que preenchem as funções dos cultos religiosos estabelecidos entre os diferentes povos da terra.
O culto exterior pressupõe cerimónias cuja finalidade é impressionar os sentidos dos homens e incutir-lhes a veneração pela divindade a que prestam as suas homenagens. Tendo a superstição multiplicado as cerimónias dos vários cultos, não tardou que as pessoas destinadas a preenchê-las formassem uma ordem separada unicamente destinada ao serviço dos altares; achou-se que os que se tinham encarregado de cuidados tão importantes deviam entregar-se totalmente à divindade; desde então, partilharam com ela o respeito dos humanos; as ocupações vulgares pareceram ser-lhes inferiores, e os povos julgaram-se obrigados a prover à subsistência dos que estavam empossados do mais santo e mais importante dos ministérios; estes últimos, fechados nos seus templos, comunicaram pouco entre si, o que deve ainda ter aumentado o respeito que se tinha por esses homens isolados; foi-se generalizando o costume de os considerar como favoritos dos deuses, como os depositários e os interpretes das suas vontades.
É agradável dominar os seus semelhantes; os padres souberam aproveitar a alta consideração que tinham feito nascer nos espírito dos seus concidadãos; afirmaram que os deuses se lhes manifestavam; anunciaram os seus decretos; ensinaram dogmas; prescreveram aquilo em que era preciso acreditar e o que era preciso rejeitar; fixaram o que agradava ou desagradava à divindade; deram oráculos, predisseram o futuro ao homem inquieto e curioso, fizeram-no tremer pelo medo dos castigos com que os deuses irritados ameaçavam os temerários que ousassem duvidar da sua missão ou discutir a sua doutrina.
Para mais solidamente estabelecer o seu poder, descreveram os deuses como cruéis, vingativos, implacáveis; introduziram cerimónias, iniciações, mistérios, cuja atrocidade pode alimentar nos homens aquela melancolia sombria, tão favorável ao domínio do fanatismo; então o sangue humano correu em grandes quantidades sobre os altares, os povos subjugados pelo medo e embriagados de superstição nunca pensaram pagar tão caro a benevolência celeste: as mães entregaram sem lágrimas os seus tenros filhos às chamas devoradoras; milhares de vítimas humanas caíram sob os golpes dos sacrificadores; deu-se a submissão a uma multidão de ritos e as mais absurdas superstições acabaram por estender e fortalecer o seu domínio.(...)
Os povos teriam sido muito felizes se os padres da impostura tivessem sido os únicos a abusar do poder que o seu ministério lhes dava sobre os homens; apesar da submissão e da doçura, tão recomendada pelo Evangelho, viu-se em séculos de trevas, padres do Deus da paz arvorar o estandarte da guerra; armar súbditos contra os soberanos; ordenar insolentemente aos reis que descessem do trono; arrogar-se o direito de romper os laços sagrados que unem os povos aos seus mestres; chamar tiranos aos príncipes que se opunham aos seus audaciosos empreendimentos; pretender para eles próprios uma independência quimérica das leis feitas para obrigar igualmente todos os cidadãos. Essas vãs pretensões foram algumas vezes cimentadas com vagas de sangue: estabeleceram-se por causa da ignorância dos povos, da fraqueza dos soberanos e da habilidade dos padres; estes últimos conseguiram muitas vezes manter os seus direitos usurpados; nos países onde está estabelecida a medonha inquisição, ela encarrega-se de fornecer frequentes exemplos de sacrifícios humanos, nada inferiores à barbárie das dos padres mexicanos. Isto não acontece nas regiões esclarecidas pelas luzes da razão e da filosofia, pois o padre aí nunca esquece que é homem, súbdito e cidadão.
(D'HOLBACH 1723-1789 'In A ENCICLOPÉDIA')
Platão, esse grande criador de quimeras, disse que aqueles que só admitem o que podem ver e apalpar são estúpidos e ignorantes pois se recusam a admitir a realidade das coisas invisíveis. Os nossos teólogos falam-nos a mesma linguagem: as religiões europeias foram visivelmente infectadas pelas fantasias platónicas, que são sem dúvida alguma o resultado de noções obscuras e da metafísica ininteligível dos padres egípcios, caldeus, assírios aos quais Platão foi beber a sua pretendida filosofia. Na verdade, se esta consiste no conhecimento da natureza, somos forçados a concordar que a doutrina platónica não merece realmente tal nome, visto que afinal afastou o espírito humano da natureza visível para o lançar no mundo intelectual, onde só se encontrou quimeras. Contudo é esta filosofia fantástica que regula ainda todas as nossas opiniões. Os nossos teólogos, guiados pelo entusiasmo de Platão, só entretêm os seus espectadores com espíritos inteligências de substância incorporais, potências invisíveis, Anjos, Demónios, virtudes misteriosas, efeitos sobrenaturais, iluminações divinas, ideias inatas, etc. A acreditarmos neles, os nossos sentidos são-nos inteiramente inúteis; a experiência não serve para nada; a imaginação, o entusiasmo, o fanatismo, e os movimentos de receio que os preconceitos religiosos fazem nascer em nós, são inspirações celestes, advertências divinas, sentimentos sobrenaturais que devemos preferir à razão, ao juízo, ao bom senso. Depois de nos terem imbuído desde a infância com tais máximas para nos ofuscarem e cegarem, fácil é convencerem-nos dos maiores absurdos, dando-lhe o impotente nome de Mistérios, e impedindo-nos de examinar aquilo em que querem que acreditemos.
Seja como for, responderemos a Platão e a todos os Doutores que, como ele, nos impõe a necessidade de acreditar o que não podemos compreender, que para aceitar que uma coisa existe é preciso ter dela alguma ideia; que esta ideia só nos pode chegar pelos sentidos; que tudo o que os sentidos nos não dão a conhecer é como se não existisse; e se é absurdo negar a existência do que se não conhece, mais extravagante é conceder-lhe qualidades desconhecidas, e estúpido tremer em frente de fantasmas, ou respeitar vãos ídolos revestidos de qualidades incompatíveis combinadas pela nossa imaginação que nunca consultou nem a experiência nem a razão.
D`HOLBACH 1723-1789-(O Sistema da Natureza, 2ª parte, cap. IV)