Henri Lefebvre e a Internacional Situacionista

Henri Lefebvre e a Internacional Situacionista

Entrevista conduzida e traduzida para o inglês em 1983 por Kristen Ross.

Tradução para o português por Cláudio Roberto Duarte.

H.L.: Você vai me perguntar sobre os Situacionistas ? É que tenho algo que gostaria de dizer.

K.R.: Ótimo, prossiga.

H.L.: Os Situacionistas... é um assunto delicado, algo que me preocupo profundamente. Em certos pontos toca-me muito intimamente, porque os conheci muito bem. Eu era amigo íntimo deles. A amizade durou de 1957 a 1961 ou ‘62, o que quer dizer aproximadamente cinco anos. E então nós tivemos uma discussão que se tornou cada vez pior em condições que eu mesmo não entendo muito bem, mas que eu poderia narrar para você. No fim, foi uma história de amor que terminou mal, muito mal. Há histórias de amor que começam bem e terminam mal. E esta foi uma delas. Eu me lembro de uma noite inteira gasta conversando na casa de Guy Debord, onde ele estava vivendo com Michele Bernstein num tipo de estúdio, perto do lugar em que eu estava morando na rua Saint Martin, num quarto escuro, nenhuma luz, nada, um verdadeiro... um lugar miserável, mas ao mesmo tempo um lugar onde havia uma grande troca de energia e irradiação de pensamentos e indagações.

K.R.: Eles não tinham dinheiro ?

H.L.: Não.

K.R.: Como eles viviam ?

H.L.: Ninguém poderia entender como eles sobreviviam. Um dia um de meus amigos (alguém para quem eu tinha apresentado Debord) lhe perguntou, "você vive de que ?" E Guy Debord respondeu muito orgulhosamente, "eu vivo de minha sabedoria" [Risos]. De fato, ele deve ter tido algum dinheiro; eu acho que a família dele não era pobre. Os pais dele moravam no Cote d'Azur. Acho que não tenho realmente a resposta. E além disso, Michele Bernstein tinha arranjado um modo esperto para ganhar dinheiro, ou ao menos um pouco de dinheiro. Ou pelo menos isto foi o que ela me contou. Ela disse que fazia horóscopos para cavalos, que eram publicados em revistas de corrida do gênero. Era extremamente engraçado. Ela determinava a data de nascimento dos cavalos e fazia seus horóscopos para predizer o resultado da corrida. E acho que houveram revistas deste tipo que publicaram e pagaram-na.

K.R.: Então o slogan situacionista "nunca trabalhe" não se aplicava às mulheres ?

H.L.: Sim, se aplicava, porque isto não era trabalho. Eles não trabalhavam; eles conseguiram viver sem trabalhar em grande parte - claro que, eles tinham de fazer alguma coisa. Fazer horóscopos para cavalos de corrida, creio eu, realmente não era trabalho; em todo caso, acho que era divertido fazer isto, e eles realmente não trabalhavam. Mas eu gostaria de voltar mais longe no tempo, porque tudo começou muito mais cedo. Começou com o grupo COBRA. Eles foram os intermediários: o grupo composto por arquitetos, com o arquiteto holandês Constant, em particular, e o pintor Asger Jorn e as pessoas de Bruxelas - era um grupo nórdico, um grupo com ambições consideráveis. Eles queriam renovar a arte, renovar a ação da arte na vida. Era um grupo extremamente interessante e ativo, que viveu junto nos anos 50 e um dos livros que inspirou a fundação do grupo foi o meu Crítica da Vida Cotidiana. Por isso, estive envolvido com eles desde muito cedo. E a figura pivô foi Constant Nieuwenhuys, o arquiteto utopiano que projetou uma cidade utopiana, uma Nova Babilônia - um nome provocante, já que na tradição protestante Babilônia é uma figura do mal. Nova Babilônia era para ser a figura do bem que levou o nome da cidade amaldiçoada e se transformou na cidade do futuro. O desenho da Nova Babilônia data de 1950. E em 1953, Constant publicou um texto chamado Por uma Arquitetura de Situação. Este foi um texto fundamental, baseado na idéia de que a arquitetura permitiria uma transformação da realidade do dia a dia. Esta era a concepção que diz respeito à Crítica da Vida Cotidiana: criar uma arquitetura que por si mesma instigasse a criação de novas situações. Assim, este texto foi o começo de uma pesquisa inteiramente nova que desenvolveu-se nos anos seguintes, especialmente porque Constant estava muito próximo a movimentos populares; ele era um dos instigadores dos Provos, o movimento Provo.

K.R.: Então havia uma relação direta entre Constant e os Provos ?

H.L.: Oh sim, ele foi reconhecido por eles como o seu pensador, o seu líder, aquele que quis transformar a vida e a cidade. A relação era direta; ele os estimulou.

[...] Durante os anos do pós-guerra, a figura de Stalin era dominante. E o movimento comunista era o movimento revolucionário. Então, depois de '56 ou '57, movimentos revolucionários mobilizaram-se por fora de partidos organizados, especialmente com Fidel Castro. Neste sentido, os Situacionistas não estavam, de qualquer modo, isolados. Seu ponto de origem era a Holanda - Paris, também - mas a Holanda especialmente, e isto estava ligado a muitos eventos em nível mundial, especialmente pelo fato de que Fidel Castro consegue uma vitória revolucionária completamente fora do movimento comunista e dos trabalhadores. Isto foi um evento. E me lembro que em 1957 publiquei um tipo de manifesto, O romantismo revolutionário, que estava ligado à história de Castro e a todos os movimentos que acontecem um pouco em todas as partes fora dos partidos. Isto se deu quando deixei o Partido Comunista. Eu senti que estavam acontecendo muitas coisas fora dos partidos estabelecidos e dos movimentos organizados como os sindicatos. Estava acontecendo uma espontaneidade fora das organizações e instituições - e era sobre isso este texto de 1957. Foi este texto que me colocou em contato com os Situacionistas, porque eles deram uma certa importância a ele - antes de atacá-lo mais tarde. Eles tiveram as suas críticas a fazer, é claro; nós nunca estávamos completamente de acordo, mas o artigo foi a base para um certo entendimento que durou por quatro ou cinco anos - e nós continuamos voltando a ele. [...] E então havia os movimentos mais extremistas, como aquele de Isidore Isou e os Letristas. Eles também tiveram ambições numa escala internacional. Mas aquilo tudo era uma brincadeira. Isto era evidente no modo como Isidore Isou recitava sua poesia dadaísta composta de sílabas sem sentido e fragmentos de palavras. Ele as recitava em cafés. Eu me lembro bem de tê-lo encontrado várias vezes em Paris [...]

K.R.: A teoria situacionista da construção de situações tem uma relação direta com sua teoria dos "momentos"?

H.L.: Sim, essa foi a base de nosso entendimento. Eles mais ou menos disseram-me durante discussões - discussões que duraram noites inteiras - "o que você chama 'momentos', nós chamamos 'situações', mas nós estamos levando isto mais longe que você. Você aceita como momentos tudo o que aconteceu no curso da história (amor, poesia, pensamento). Nós queremos criar momentos novos".

K.R.: Como eles propuseram fazer a transição de um "momento" para uma construção consciente ?

H.L.: A idéia de um momento novo, de uma situação nova, já estava lá no texto de Constant de 1953. Porque a arquitetura de situação é uma arquitetura utopiana que supõe uma sociedade nova, a idéia de Constant era que a sociedade não deveria ser transformada no sentido de continuar uma vida chata e monótona, mas no sentido de criar algo absolutamente novo: situações.

K.R.: E como a cidade figura nisto ?

H.L.: Bem, as "situações novas" nunca estavam muito claras. Quando nós falávamos sobre isso, eu sempre dava como um exemplo - e eles não teriam nada a ver com meu exemplo - o amor. Eu disse a eles: na Antiguidade, o amor apaixonado era conhecido, mas não o individual, o amor por um indivíduo. Os poetas da Antiguidade escrevem sobre um tipo de paixão cósmica, física, fisiológica. Mas o amor por um indivíduo só aparece na Idade Média dentro de uma mistura das tradições cristã e islâmica, especialmente no sul da França [...]

K.R.: Mas construir "situações novas" para os Situacionistas não envolvia o urbanismo ?

H.L.: Sim. Nós concordávamos. Eu dizia a eles, o amor individual criou situações novas, havia uma criação de situações. Mas isto não aconteceu num dia, isto se desenvolveu. A idéia deles (e isto também estava relacionado às experiências de Constant) era que na cidade alguém poderia criar situações novas, por exemplo, ligando partes da cidade, bairros que eram espacialmente separados. E este foi o primeiro significado da deriva. Ela foi feita primeiro em Amsterdã, usando walkie-talkies. Havia um grupo que foi para uma parte da cidade e que poderia comunicar-se com pessoas em outra área.

K.R.: Os situacionistas usaram esta técnica também ?

H.L.: Oh, eu acho que sim. Em todo caso, Constant fez. Mas houveram experiências situacionistas no Urbanismo Unitário. O Urbanismo Unitário consistiu em fazer com que partes diferentes da cidade se comunicassem com outras. Eles tiveram seus experimentos; eu não participei. Eles usaram todos os tipos de meio de comunicação - não sei quando exatamente eles usaram walkie-talkies. Mas sei que eles eram usados em Amsterdã e em Estrasburgo.

K.R.: Você conheceu as pessoas em Estrasburgo então ?

H.L.: Eles eram meus estudantes. Mas as relações com eles também estavam muito cansadas. Quando cheguei em Estrasburgo em 1958 ou '59, estávamos bem no meio da Guerra da Argélia, e eu só tinha estado em Estrasburgo durante aproximadamente três semanas talvez, quando um grupo de rapazes chegou até mim. Eles eram os futuros Situacionistas de Estrasburgo - ou talvez eles já eram um pouco Situacionistas. Eles me disseram: "Precisamos de seu apoio: vamos montar uma operação na Vosges. Vamos fazer uma base militar na Vosges, e de lá propagarmo-nos pelo país inteiro. Vamos descarrilhar trens". Eu respondi: "Mas e o exército e a polícia... vocês não estão seguros de ter o apoio da população. Vocês estão precipitando uma catástrofe". Assim, eles começaram a me insultar e a me chamar de traidor. E, após pouco tempo, algumas semanas, eles voltaram a me ver e me falaram: "Você tinha razão, é impossível. É impossível montar uma base militar na Vosges. Nós vamos trabalhar em qualquer outra coisa". Deste modo, me encontrava relacionando com eles, e posteriormente eles se tornaram Situacionistas, o mesmo grupo que quis apoiar os argelinos principiando atividades militares na França - era loucura. Mas, você sabe, minhas relações com eles sempre foram muito difíceis. Eles ficavam furiosos por nada. Eu estava vivendo na ocasião com uma mulher jovem de Estraburgo; eu era o escândalo da Universidade. Ela estava grávida, ela teve uma filha (minha filha Armelle), e era o escândalo da cidade - um horror, uma abominação. Estrasburgo era uma cidade muito burguesa. E a Universidade não estava fora da cidade, estava bem no meio. Mas, ao mesmo tempo, eu estava dando conferências que tinham muito êxito, em música, por exemplo – música e sociedade. Eu lecionei um curso inteiro de um ano sobre "música e sociedade"; muitas pessoas assistiram, então eu só poderia ser atacado com dificuldades. A mãe de Armelle, Nicole, era amiga dos Situacionistas. Ela estava sempre com eles; ela os convidava. Eles vieram comer em nossa casa, e nós tocamos música - isto era escândalo em Estrasburgo. Então, eis como eu vim a ter relações íntimas, relações orgânicas, com eles - não só porque eu ensinei marxismo na Universidade, mas através de Nicole que era uma intermediária. Guy veio para minha casa ver Nicole, e para jantar. Mas as relações eram difíceis, eles ficavam irritados por coisas minúsculas. Mustapha Khayati, autor do panfleto, estava no grupo.

K.R.: Como foi o efeito do panfleto [Sobre a Pobreza da Vida de Estudante] ? Quantas cópias foram distribuídas ?

H.L.: Oh, teve muito êxito. Mas no princípio só foi distribuído em Estrasburgo; então, Debord e outros distribuíram-no em Paris. Milhares e milhares foram dados, certamente dezenas de milhares de cópias, para estudantes. É um panfleto muito bom, sem dúvida. Seu autor, Mustapha Khayati, era tunisiano. Havia vários tunisianos no grupo, muitos estrangeiros que foram posteriormente menos mencionados, e mesmo Mustapha Khayati não se expôs muitas vezes na ocasião porque ele poderia ter tido problemas por causa da sua nacionalidade. Ele não tinha cidadania dupla; ele permaneceu tunisiano e poderia ter tido dificuldades sérias. Mas, de qualquer maneira, em Paris, depois de 1957, eu vi muitos deles, e também fui passar um tempo com Constant em Amsterdã. Este foi o momento quando o movimento Provo se tornou bastante poderoso em Amsterdã, com a sua idéia de manter a vida urbana intacta, impedindo a cidade de ser eviscerada por auto-estradas e de ser aberta para o tráfego de automóveis. Eles queriam conservar e transformar a cidade em vez de entregá-la completamente ao trânsito. Eles também queriam drogas; eles pareciam contar com drogas para criar situações novas - imaginação estimulada por LSD, era LSD naqueles dias.

K.R.: Entre os situacionistas parisienses também ?

H.L.: Não. Muito pouco. Eles bebiam. Na casa de Guy Debord, nós bebíamos tequila com a adição de um pequeno mescal. Mas nunca... mescalina, um pouco, mas, de qualquer forma, muitos deles não tomavam nada. Este não era o modo pelo qual eles queriam criar situações novas [...]

K.R.: O projeto de Constant previa o fim do trabalho ?

H.L.: Sim, até certo ponto. Sim, eis o início: mecanização completa, a automatização completa do trabalho produtivo, que libera as pessoas para fazerem outras coisas. Ele foi um dos únicos que considerou o problema.

K.R.: E os situacionistas, também ?

H.L.: Sim [...]. E, assim, uma mudança completa nos movimentos revolucionários começa em 1956-57, movimentos que deixam para trás organizações clássicas. Que bonita é a voz de grupos pequenos tendo influência.

K.R.: Assim, a existência real de micro-sociedades ou de pequenos grupos como os Situacionistas era por si só uma situação nova ?

H. L.: Sim, até certo ponto. Mas, novamente, nós também não devemos exagerar. Para quantos deles ela existia ? Você sabe que a Internacional Situacionista nunca teve mais de dez membros [de cada vez]. Havia dois ou três belgas, dois ou três holandeses, como Constant. Mas eles eram todos imediatamente expurgados. Guy Debord seguia o exemplo de Andre Breton. As pessoas eram expulsas. Eu nunca fui parte do grupo. Eu poderia ter sido, mas tive cuidado desde que conheci o caráter de Guy Debord e suas maneiras e o modo que ele tinha de imitar Andre Breton, expulsando todo mundo a fim de chegar a um pequeno núcleo duro e puro. No final, os membros da Internacional Situacionista eram Guy Debord, Raoul Vaneigem e Michele Bernstein. Havia alguns pequenos grupos externos, grupos satélites - que era o meu caso, e o de Asger Jorn também. Asger Jorn tinha sido expulso, tanto quanto o pobre Constant. Por que razão ? Bem, Constant não construiu nada - ele era um arquiteto que não construía, um arquiteto utopiano. Mas ele foi expulso porque um sujeito que trabalhou com ele construiu uma igreja na Alemanha; expulsão por motivo de influência desastrosa. É uma tolice. Era realmente quase como ter que manter a si mesmo num estado puro, como um cristal. O dogmatismo de Debord era exatamente como o de Breton. E, o que é mais, era um dogmatismo sem um dogma, já que a teoria das situações, da criação de situações, desapareceu muito rápido, deixando para trás apenas a crítica ao mundo existente, que é onde tudo começou, com a Crítica da Vida Cotidiana.

K.R.: Como sua associação com o situacionistas mudou ou inspirou seu pensamento sobre a cidade ? Mudou seu pensamento ou não ?

H.L.: Foi tudo um corolário, paralelo. Meu pensamento sobre a cidade teve fontes completamente diferentes [...] Mas, ao mesmo tempo em que conheci Guy Debord [1957], eu conheci Constant. Eu soube que os Provos em Amsterdã estavam interessados na cidade e eu fui ver o que acontecia lá, talvez umas dez vezes. Só para ver a forma que o movimento estava ganhando, se tomava uma forma política. Houve Provos eleitos para a Assembléia Municipal em Amsterdã. Eu esqueci qual ano, mas eles conseguiram uma vitória grande nas eleições municipais. Então, depois disso, tudo caiu em pedaços. Tudo isso foi parte e parcela da mesma coisa. E após 1960 houve o grande movimento na urbanização. [Os Situacionistas] abandonaram a teoria do Urbanismo Unitário, já que o Urbanismo Unitário só tinha um significado preciso para cidades históricas, como Amsterdã, que teve de ser renovada, transformada. Mas, no momento em que a cidade histórica explodiu em periferias, subúrbios - como aconteceu em Paris, e em diversos lugares, Los Angeles, São Francisco, extensões selvagens da cidade - a teoria do Urbanismo Unitário perdeu qualquer significado. Eu me lembro de discussões muito afiadas e aguçadas com Guy Debord, onde ele dizia que o urbanismo estava se tornando uma ideologia. Ele estava absolutamente correto, no momento em que havia uma doutrina oficial em urbanismo. Eu acho que o código de urbanismo na França data de 1961 - esse é o momento quando o urbanismo se torna uma ideologia. Isso não significa que o problema da cidade estava resolvido - longe disto. Mas naquele ponto [os Situacionistas] abandonaram a teoria do Urbanismo Unitário. E então, eu acho que até mesmo a deriva, os experimentos da deriva foram também pouco a pouco sendo abandonados dali em diante. Não estou seguro como isso aconteceu, pois esse foi o momento em que rompi com eles. Afinal de contas, há o contexto político na França, e também há relações pessoais, histórias muito complicadas. A história mais complicada surgiu quando [os Situacionistas] vieram até minha casa nos Pirineus. E fizemos uma viagem maravilhosa: deixamos Paris num carro e paramos nas cavernas de Lascaux que estavam fechadas não muito antes de chegarmos. Interessava-nos muito o problema das cavernas de Lascaux. Elas estão escondidas muito fundo, assim como um poço que era inacessível - e tudo aquilo estava coberto por pinturas. Como estas pinturas foram feitas, para quem foram feitas, já que não foram pintadas para serem vistas ? A idéia era que a pintura começou como uma crítica. Além do mais, também, todas as igrejas na região têm criptas. Nós paramos em Saint-Savin, onde há afrescos na abóboda da igreja e uma cripta cheio de pinturas, uma cripta cujas profundezas são difíceis de alcançar, pois é muito escura. O que são pinturas que não foram destinadas a serem vistas ? E como elas foram feitas ? Assim, nós fizemos nosso caminho pelo Sul; nós passamos por uma festa fabulosa em Sarlat, e eu quase não podia dirigir - eu era o único motorista. Eu tinha uma carta; nós fomos quase presos porque eu cruzei uma aldeia a 120 km por hora. Eles ficaram vários dias em minha casa, e, trabalhando juntos, nós escrevemos um texto programático. No fim da semana, eles passaram em Navarrenx, eles guardaram o texto. Eu disse a eles, "vocês datilografam isto" (estava manuscrito), e posteriormente eles me acusaram de plágio. Na realidade, foi má fé completa. O texto, que foi usado para escrever o livro sobre a Comuna [de Paris], era um texto em comum, feito por eles e por mim, e só uma parte pequena do livro sobre a Comuna foi tomada deste texto em conjunto. Eu tive a idéia sobre a Comuna como uma festa, e lancei isto em debate, depois de consultar um documento inédito sobre a Comuna que está na Fundação Feltrinelli, em Milão. É um diário sobre a Comuna. A pessoa que guardou o diário - que foi deportada, por causa disso, e que trouxe de volta seu diário vários anos depois da deportação, ao redor de 1880 - reconta como, no dia 28 de março de 1871, os soldados de Thiers vieram procurar os canhões que estavam em Montmartre e nas colinas de Belleville; como as mulheres acordaram de manhã muito cedo, ouviram o barulho e correram pelas ruas afora e rodearam os soldados, rindo, se divertindo, saudando-os de um modo amistoso. Então, elas partiram para trazer café e o ofereceram aos soldados; e estes soldados, que tinham vindo tomar os canhões, foram mais ou menos conquistados por aquelas pessoas. Primeiro as mulheres, então os homens, todo mundo saiu, numa atmosfera de festa popular. O incidente dos canhões da Comuna não foi, de qualquer modo, uma situação de heróis armados que chegam e combatem os soldados, assumindo os canhões. Não aconteceu assim. Foi o povo que saiu das suas casas, que vai regozijando-se. O tempo estava bonito, 28 de março, era o primeiro dia da primavera, estava ensolarado: as mulheres beijam os soldados, eles relaxam, e os soldados são absorvidos em tudo isso, uma festa popular parisiense. Mas este diário é uma exceção. E posteriormente os teóricos dos heróis da Comuna disseram-me: "isto é um testemunho, você não pode escrever história através de um testemunho". Os situacionistas disseram mais ou menos a mesma coisa. Eu não li o que eles disseram; eu fiz meu trabalho. Houveram idéias que foram debatidas no meio da conversa, e então trabalhadas em textos em conjunto. E então posteriormente, eu escrevi um estudo sobre a Comuna. Trabalhei durante semanas em Milão, no Instituto Feltrinelli; achei documentação inédita. Usei isto, e isso é completamente o meu direito. Olha, não me preocupo, de qualquer modo, sobre estas acusações [por parte dos Situacionistas] de plágio. E eu nunca gastei meu tempo para ler o que eles escreveram sobre isto na revista deles. Eu sei que fui caluniado. E então, o modo como rompi com eles aconteceu depois de uma história extremamente complicada, relativa à Revista Arguments. A idéia surgida era parar de editar Arguments porque vários dos colaboradores na revista, como meu amigo Kostas Axelos, pensavam que seu papel terminara; eles achavam que não tinham mais nada a dizer. De fato, eu tenho o texto de Axelos onde ele fala sobre a dissolução do grupo e da revista. Eles acharam que tudo tinha acabado e que seria melhor terminá-la [depressa], em lugar de deixar se arrastar demais. Mantinha-me informado sobre estas discussões. Durante discussões com Guy Debord, nós conversaamos sobre este assunto e Debord me disse, "nossa revista, a International Situationniste, tem que substituir Arguments". E, deste modo, o editor de Arguments, e todas as pessoas lá, tiveram que concordar. Tudo dependia de um certo homem [Herval], que era na ocasião um editor muito poderoso: ele fazia uma crônica literária para L'Express, também estava por dentro da Nouvelle Revue Français e nas Edições Minuit. Ele era extremamente poderoso, e tudo dependia dele. Bem, naquele momento eu tinha me separado de uma mulher, muito amargamente. Ela me deixou, e ela levou minha agenda de endereços com ela. Isto significava que eu já não tinha mais o endereço de Herval. Eu telefonei para Debord e lhe falei que estava perfeitamente disposto a continuar as negociações com Herval, mas que eu já não tinha o endereço dele, o número do telefone dele, nada. Debord começou a me insultar pelo telefone. Ele estava furioso e disse, "eu sou usado por pessoas como você que se tornam os traidores no momento decisivo". Esse foi o modo como a ruptura entre nós começou, e continuou de um modo curioso. Esta mulher, Eveline – que, eu esqueci de mencionar, era uma amiga de longa data de Michele Bernstein - tinha me deixado, e Nicole tomou o lugar dela, e Nicole estava grávida. Ela quis a criança, assim como eu: eis Armelle. Mas Guy Debord e nossos colegas Situacionistas enviaram uma mulher jovem a Navarrenx no feriado de Páscoa para tentar convencer Nicole a fazer um aborto.

K.R.: Por quê ?

H.L.: Porque eles não souberam, ou não quiseram saber, que Nicole quis esta criança da mesma maneira que eu. Você pode acreditar que esta mulher, cujo nome era Denise e que era particularmente insuportável, tinha sido enviada para persuadir Nicole a fazer um aborto e a me deixar para ficar com eles ? Mais tarde eu entendi - Nicole me falou imediatamente sobre isto. Ela me disse, "sabe, esta mulher foi mandada por Guy Debord; eles querem que eu deixe você e livre-se da criança". Por isto, visto que já não tinha gostado muito de Denise, eu a desprezei. Denise era a namorada daquele situacionista que tinha aprendido chinês - eu esqueço o nome dele [Rene Vienet]. Estou lhe contando isto porque é tudo muito complexo, tudo é confuso; história política, ideologia, mulheres... mas houve um tempo que foi uma amizade real, muito calorosa.

K.R.: Você escreveu um artigo intitulado "Vocês todos serão situacionistas".

H.L.: Oh sim, eu fiz isso para ajudar a substituição de Arguments pela Internationale Situationniste. Guy Debord me acusou de não ter feito nada para conseguir essa publicação. Sim, era Herval que supostamente a publicaria. Sorte minha que não apareceu, porque depois eles teriam me reprovado por isto. Mas há um ponto que quero voltar - a questão do plágio. Isso me aborreceu bastante. Não muito, só um pouco. Nós trabalhamos dia e noite juntos em Navarrenx, fomos dormir às nove da manhã (assim era como eles viviam, indo dormir pela manhã, dormindo todo o dia). Nós não comíamos nada. Era apavorante. Eu sofri ao longo da semana, não comendo, só bebendo. Nós devemos ter bebido cem garrafas em poucos dias. Cinco... e ficamos trabalhando enquanto bebendo. O texto era quase um resumo doutrinal de tudo que nós estávamos pensando, sobre situações, sobre transformações da vida; não era muito longo, só algumas páginas, manuscritas. Eles levaram-no embora e o datilografaram, e depois pensaram que tinham direito sobre as idéias. Estas idéias, que nós trouxemos à luz ao longo de um pequeno passeio no campo, eu as acolhi. Com um toque agradável de perversidade, eu os levei por um caminho que não conduzia a parte alguma, que se perdia nos bosques, nos campos, e assim por diante. Michele Bernstein teve um colapso nervoso completo, não curtiu nenhum pouco. É verdade, não era urbano, era bem longe no campo.

K.R.: Uma deriva rural. Falemos sobre a deriva em geral. Você acha que isso trouxe alguma coisa nova para a teoria do espaço ou para a teoria urbana ? Do modo em que enfatizou jogos e práticas experimentais, você acha que era mais produtivo que uma abordagem puramente teórica da cidade ?

H.L.: Sim. Como observei, a deriva era mais uma prática que uma teoria. Revelou a fragmentação crescente da cidade. No curso de sua história, a cidade foi outrora uma unidade orgânica poderosa; durante algum tempo, porém, aquela unidade foi sendo desfeita, foi se fragmentando, e [os situacionistas] foram gravando exemplos do que nós todos conversávamos, como o lugar onde a nova Opera Bastille está para ser construída. A Place de la Bastille é o fim de Paris histórica - além dela está Paris da primeira industrialização do século XIX. A Place des Vosges ainda é Paris aristocrática do século XVII. Quando você vai a Bastille, outra Paris começa, que é a do século XIX, mas é Paris da burguesia, do comércio, da expansão industrial, ao mesmo tempo que a burguesia comercial e industrial toma o Marais, o centro de Paris – estende-se afora, para além da Bastille, da Rue de la Roquette, da Rue du Faubourg Saint-Antoine etc. Desde então a cidade é fragmentada. Nós tínhamos uma visão de uma cidade que foi fragmentada cada vez mais, sem sua unidade orgânica ser completamente despedaçada. Posteriormente, claro que as periferias e os subúrbios realçaram o problema. Mas tempos atrás isto então não era óbvio, e pensávamos que a prática da deriva revelava a idéia da cidade fragmentada. Mas era principalmente feita em Amsterdã. A experiência consistia em interpretar aspectos diferentes ou fragmentos da cidade simultaneamente, fragmentos que podem ser vistos só sucessivamente, da mesma forma que existe pessoas que nunca viram certas partes da cidade.

K.R.: Enquanto a deriva levava a forma de uma narrativa.

H.L.: Isso. A pessoa vai ao longo de uma direção qualquer e relata o que vê.

K.R.: Mas os relatos não podem ser feitos simultaneamente.

H.L.: Sim, pode, se você tem um walkie-talkie. A meta era atingir uma certa simultaneidade. Essa era a meta; nem sempre funciona.

K.R.: Então, um tipo de história sincrônica.

H.L.: Sim, isso mesmo, uma história sincrônica. Esse era o significado do Urbanismo Unitário: unificar o que tem uma certa unidade, mas uma unidade perdida, uma unidade em desaparição.

K.R.: E foi durante o tempo em que você conheceu os situacionistas que a idéia de Urbanismo Unitário começou a perder sua força ?

H.L.: No momento em que a urbanização se tornou verdadeiramente volumosa, isto é, depois de 1960, e quando a cidade, Paris, explodiu completamente. Você sabe que havia muito poucos subúrbios em Paris; havia alguns, mas muito poucos. E então, de repente, a área inteira estava cheia, coberta com moradias pequenas, com cidades novas, Sarcelles e o resto. Sarcelles se tornou um tipo de mito. Havia até mesmo uma doença que as pessoas chamaram "sarcellite". Desde então, a atitude de Guy Debord mudou - ele caminhou da tese do Urbanismo Unitário para a da Ideologia Urbanística.

K.R.: E o que foi essa transição, exatamente ?

H.L.: Foi mais que uma transição, foi o abandono de uma posição para adotar uma exatamente oposta. Entre a idéia de elaborar um urbanismo e a tese de que todo o urbanismo é uma ideologia, está uma modificação profunda. Na realidade, dizendo que todo o urbanismo era uma ideologia burguesa, [os situacionistas] abandonaram o problema da cidade. Eles deixaram isto para trás. Eles achavam que o problema já não os interessava. Enquanto eu, de outro lado, continuei me interessando; pensei que a explosão da cidade histórica era precisamente a ocasião para achar uma teoria mais ampla da cidade, e não um pretexto para abandonar o problema. Mas, nós rompemos não por causa disso; rompemos por razões muito mais sórdidas. Aquele negócio sobre sabotar Arguments, o endereço perdido de Herval - tudo aquilo foi completamente ridículo. Mas havia razões certamente mais profundas. A teoria das situações foi abandonada, pouco a pouco. E a própria revista se tornou um órgão político. Eles começaram a insultar todo mundo. Isso fazia parte da atitude de Debord, ou poderia ter sido parte das dificuldades dele - ele se separou de Michele Bernstein [em 1967]. Eu não sei, havia todos os tipos de circunstâncias que poderiam ter lhe feito mais polêmico, mais amargo, mais violento. No fim, tudo foi orientado para um tipo de violência polêmica. Acho que eles acabaram insultando quase todo mundo. E eles também exageraram bastante o seu papel em maio de 68, depois do fato.



Henri Lefebvre on the Situacionist International

Interview conducted and translated 1983 by Kristen Ross

Printed in October 79, Winter 1997

H.L.: Are you going to ask me questions about the Situacionists? Because I have something I'd like to talk about.

K.R.: Fine, go ahead.

H.L.: The Situacionists ... it's a delicate subject, one I care deeply about. It touches me in some ways very intimately because I knew them very well. I was close friends with them. The friendship lasted from 1957 to 1961 or '62, which is to say about five years. And then we had a quarrel that got worse and worse in conditions I don't undertsnad too well myself, but which I could describe to you. In the end, it was a love story that ended badly, very badly. There are love stories that begin well and end

badly. And this was one of them.

I remember a whole night spent talking at Guy Debord's place where he was living with Michele Bernstein in a kind of studio near the place I was living on the rue Saint Martin, in a dark room, no lights at all, a veritable... a miserable place, but at the same time a place where there was a great deal of strength and radiance in the thinking and the research.

K.R.: They had no money?

H.L.: No.

K.R.: How did they live?

H.L.: No one could figure out how they got by. One day one of my friends (someone to whom I had introduced Debord) asked him, "What do you live on?" And Guy Debord answered very proudly, "I live off my wits." [Laughter.] Actually, he must have had some money; I think that his family wasn't poor. His parents lived on the Cote d'Azur. I don't really think I really know the answer. And also Michele Bernstein had come up with a clever way to make money, or at least a bit of money. Or at least this is what she told me. She said she did horoscopes for horses, which were published in racing magazines. It was extremely funny. She determined the date of birth of the horses and did their horoscopes in order to predict the outcome of the race. And I think there were racing magazines that published them and paid her.

K.R.: So the Situacionist slogan "Never work" didn't apply to women?

H.L.: Yes, it did, because this wasn't work. They didn't work; they managed to live without working to quite a large extent - of course, they had to do something. To do horoscopes for race horses, I suppose, wasn't really work; in any case, I think it was fun to do it, and they didn't really work. But I'd like to go farther back in time, because everything started much earlier. It started with the COBRA group. They were the intermediaries: the group made up of architects, with the Dutch architect Constant in particular and the painter Asger Jorn and people from Brussels - it was a Nordic group, a group with considerable ambitions. They wanted to renew art, renew the action of art on life. It was an extremely interesting and active group, which came together in the 1950s, and one of the books that inspired the founding of the group was my book Critique of Everyday Life. That's why I got involved with them from

such an early date. And the pivotal figure was Constant Nieuwenhuys, the utopian architect who designed a Utopian city, a New Babylon - a provocative name, since in the Protestant tradition Babylon is a figure of evil. New Babylon was to be the figure of good that took the name of the cursed city and transformed itself into the city of the future. The design for New Babylon dates from 1950. And in 1953 Constant published a text called For an Architecture of Situation. This was a fundamental text based on the idea that architecture would allow a transformation of daily reality. This was the conception with Critique of Everyday Life: to create an architecture that would itself instigate the creation of new situations. So this text was the beginning of a whole new research that developed in the following years, especially since Constant was very close to popular movements; he was one of the instigators of the Provos, the Provo mopvement.

K.R.: So there was a direct relationship between Constant and the Provos?

H.L.: Oh yes, he was recognized by them as their thinker, their leader, the one who wanted to transform life and the city. The relation was direct; he spurred them on.

[...] During the postwar years, the figure of Stalin was dominant. And the Communist movement was the revolutionary movement. Then, after '56 or '57, revolutionary movements moved outside the organized parties, especially with Fidel Castro. In this sense, Situacionism wasn't at all isolated. Its point of origin was Holland - Paris, too - but Holland especially, and it was linked to many events on the world stage, especially the fact that Fidel Castro succeded in a revolutionary victory completely outside of the Communist movement and the workers' movement. This was an event. And I remember that in 1957 I published a kind of manifesto, Le romantisme revolutionnaire, which was linked to the Castro story and to all the movements happening a little bit everywhere that were outside of the parties. This was when I left the Communist Party myself. I felt that there were going to be a lot of things happening outside the established parties and organized movements like syndicates. There was going to be a spontaneity outside of organizations and institutions - that's what this text from 1957 was about. It was this text that put me into contact with the Situacionists, because they attached a certain importance to it - before attacking it later on. They had their critiques to make, of course; we were never completely in agreement, but the article was the basis for a certain understanding that lasted for four or five years - we kept coming back to it. [...] And then there were the rather extremist movements like that of Isidore Isou and the Lettrists. They also had ambitions on an international scale. But that was all a joke. It was evident in the way that Isidore Isou would recite his Dadaist poetry made up of meaningless syllables and fragments of words. He would recite it in cafes. I remember very well having met him several times in Paris [...]

K.R.: Did the Situacionist theory of constructing situations have a direct relationship with your theory of "moments"?

H.L.: Yes, that was the basis of our understanding. They more or less said to me during discussions - discussions that lasted whole nights - "What you call 'moments,' we call 'situations,' but we're taking it farther than you. You accept as 'moments' everything that has occurred in the course of history (love, poetry, thought). We want to create new moments."

K.R.: How did they propose to make the transition from a "moment" to a conscious construction?

H.L.: The idea of a new moment, of a new situation, was already there in Constant's text from 1953. Because the architecture of situation is a Utopian architecture that supposes a new society, Constant's idea was that society must be transformed not in order to continue a boring, uneventful life, but in order to create something absolutely new: situations.

K.R.: And how did the city figure into this?

H.L.: Well, "new situations" was never very clear. When we talked about it, I always gave as an example - and they would have nothing to do with my example - love. I said to them: in antiquity, passionate love was known, but not individual ove, love for an individual. The poets of antiquity write of a kind of cosmic, physical, physiological passion. But love for an individual only appears in the Middle Ages within a mixture of Christian and Islamic traditions, especially in the south of France [...]

K.R.: But didn't constructing "new situations" for the Situacionists involve urbanism?

H.L.: Yes. We agreed. I said to them, individual love created new situations, there was a creation of situations. But it didn't happen in a day, it developed. Their idea (and this was also related to Constant's experiments) was that in the city one could create new situations by, for example, linking up parts of the city, neighborhoods that were separated spatially. And that was the first meaning of the derive. It was done first in Amsterdam, using walkie-talkies. There was one group that went to one part of the city and could communicate with people in another area.

K.R.: Did the Situacionists use this technique, too?,?P>

H.L.: Oh, I think so. In any case, Constant did. But there were Situacionist experiments in Unitary Urbanism. Unitary urbanism consisted of making different parts of the city communicate with one another. They did have their experiments; I didn't participate. They used all kinds of means of communication - I don't know when exactly they were using walkie-talkies. But I know they were used in Amsterdam and in Estrasburgo.

K.R.: Did you know people in Estrasburgo then?

H.L.: They were my students. But relations with them were also very strained. When I arrived in Estrasburgo in 1958 or '59, it was right in the middle of the Algerian War, and I had only been in Estrasburgo for about three weeks, maybe, when a group of guys came up to me. They were the future Situacionists of Estrasburgo - or maybe they were already a little bit Situacionist. They said to me: "We need your support: we're going to set up a maquis in the Vosges. We're going to make a military base in the Vosges, and from there spread out over the whole country. We're going to derail trains." I replied: "But the army and the police ... you aren't sure of having the support of the population. You're precipitating a catastrophe." So they began to insult me and call me a traitor. And, after a little while, a few weeks, they came back to see me and told me: "You were right, it's impossible. It's impossible to set up a military base in the Vosges. We're going to work on something else." So I found myself getting along with them, and afterward they became Situacionists, the same group that wanted to support the Algerians by starting up military activity in France - it was crazy. But, you know, my relations with them were always very difficult. They got angry over nothing. I was living at the time with a young woman from Strabourg; I was the scandal of the university. She was pregnant, she had a daughter (my daughter Armelle), and it was the town scandal - a horror, an abomination. Estrasburgo was a very bourgeois city. And the university wasn't outside the city, it was right in the middle. But at the same time I was giving lectures that were very successful, on music, for example - music and society. I taught a whole course one year on "music and society"; many people attended, so I could only be attacked with difficulty. Armelle's mother, Nicole, was friends with the Situacionists. She was always with them; she invited them over. They came to eat at our place, and we played music - this was scandal in Estrasburgo. So that's how I came to have close relations, organic relations, with them - not only because I taught Marxism at the University, but through Nicole, who was an intermediary. Guy came over to my place to see Nicole, to eat dinner. But relations were difficult, they got angry over tiny things. Mustapoha Khayati, author of the brochure, was in the group.

K.R.: What was the effect of the brochure [On the Poverty of Student Life]? How many copies were given out?

H.L.: Oh, it was very successful. But in the beginning, it was only distributed in Estrasburgo; then, Debord and others distributed it in Paris. Thousands and thousands were given out, certainly tens of thousands of copies, to students. It's a very good brochure, without a doubt. Its author, Mustapha Khayati, was Tunisian. There were several Tunisians in the group, many foreigners who were less talked about afterward, and even Mustapha Khayati didn't show himself very often at the time because he might have had problems because of his nationality. He didn't have dual citizenship; he stayed a Tunisian and he could have had real troubles. But anyway, in Paris, after 1957, I saw a lot of them, and I was also spending time with Constant in Amsterdam. This was the moment when the Provo movement became very powerful in Amsterdam, with their idea of keeping urban life intact, preventing the city from being eviscerated by auto-routes and being opened up to automobile traffic. They wanted the city to be conserved and transformed, instead of being given over to traffic. They also wanted drugs; they seemed to count on drugs to create new situations - imagination sparked by LSD, It was LSD in those days.

K.R.: Among the Parisian Situacionists, too?

H.L.: No. Very little. They drank. At Guy Debord's place, we drank tequila with a little mezcal added. But never ... mescaline, a little, but many of them took nothing at all. That wasn't the way they wanted to create new situations [...]

K.R.: Was Constant's project predicated on the end of work?

H.L.: Yes, to a certain extent. Yes, that's the beginning: complete mechanization, the complete automatization of productive work, which left people free to do other things. He was one of the ones who considered the problem.

K.R.: And the Situacionists, too?

H.L.: Yes [...] And so, a complete change in revolutionary movements beginning in 1956-57, movements that leave behind classic organizations. What's beautiful is the voice of small groups having influence.

K.R.: So the very existence of microsocieties or groupuscules like the Situacionists was itself a new situation?,?P>

H. L. Yes, to a certain extent. But, then again, we mustn't exaggerate either. For how many of them were there? For how many of them were there? You know that the Situacionist International never had more than ten members [at a time]. There were two or three Belgians, two or three

Dutch, like Constant. But they were all expelled immediately. Guy Debord followed Andre Breton's example. People were expelled. I was never part of the group. I could have been, but I was careful, since I knew Guy Debord's character and his manner, and the way he had of imitating Andre Breton, by expelling everyone in order to get at a pure and hard little core. In the end, the members of the Situacionist International were Guy Debord, Raoul Vaneigem, and Michele Bernstein. There were some outer groupuscules, satellite groups - which is where I was, and where Asger Jorn was, too. Asger Jorn had been expelled; poor Constant was expelled as well. For what reason? Well, Constant didn't build anything - he was an architect who didn't build, a Utopian architect. But he was expelled because a guy who worked with him built a church in Germany; expulsion for reason of disastrous influence. It's rubbish. It was really about keeping oneself in a pure state, like a crystal. Debord's dogmatism was exactly like Breton's. And, what's more, it was a dogmatism without a dogma, since the theory of situations, of the creation of situations, disappeared very quickly, leaving behind only the critique of the existing world, which is where it all started, with the Critique of Everyday Life.

K.R.: How did your association with the Situacionists change or inspire your thinking about the city? Did it change your thinking or not?

H.L.: It was all corollary, parallel. My thinking about the city had completely different sources [....] But, at the same time that I met Guy Debord [1957] , I met Constant. I knew that the Provos in Amsterdam were interested in the city, and I went there to see what was going on, maybe ten times. Just to see the form that the movement was taking, if it took a political form. There were Provos elected to the city council in Amsterdam. I forget which year, but they pulled off a big victory in the municipal elections. Then, after that, it all fell apart. All this was part and parcel of the same thing. And after 1960 there was the great movement in urbanization. [The Situacionists] abandoned the theory of Unitary Urbanism, since Unitary Urbanism only had a precise meaning for historic cities, like Amsterdam, that had to be renewed, transformed. But from the moment that the historic city exploded into peripherics, suburbs - like what happened in Paris, and in all sorts of places, Los Angeles, San Francisco, wild extensions of the city - the theory of Unitary Urbanism lost any meaning. I remember very sharp, pointed discussions with Guy Debord, where he said that urbanism was becoming an ideology. He was absolutely right, from the moment that there was an official doctrine on urbanism. I think the urbanism code dates from 1961 in France - that's the moment when urbanism becomes an ideology. That doesn't mean that the problem of the city was resolved - far from it. But at that point [the Situacionists] abandoned the theory of Unitary Urbanism. And then I think that even the derive, the derive experiments were little by little abandoned around then, too. I'm not sure how that happened, because that was the moment I broke with them. After all, there's the political context in France, and there are also personal relations, very complicated stories. The most complicated story arose when [the Situacionists] came to my place in the Pyrenees. And we took a wonderful trip: we left Paris in a car and stopped at the Lascaux caves, which were closed not long after that. We were very taken up with the problem of the Lascaux caves. They are buried very deep, with even a well that was inaccessible - and all this was filled with paintings. How were these paintings made, who were they made for, since they weren't painted in order to see seen? The idea was that painting started as a critique. All the more so in that all the churches in the region have crypts. We stopped at Saint-Savin, where there are frescoes on the church's vaulted dome and a crypt full of paintings, a crypt whose depths are difficult to reach because it is so dark. What are paintings that were not destined to be seen? And how were they made? So, we made our way south; we had a fabulous feast at Sarlat, and I could hardly drive - I was the one driving. I got a ticket; we were almost arrested because I crossed a village going 120 kilometers per hour. They stayed several days at my place, and, working together, we wrote a programmatic text. At the end of the week they spent at Navarrenx, they kept the text. I said to them, "You type it" (it was handwritten), and afterward they accused me of plagiarism. In reality, it was complete bad faith. The text that was used in writing the book about the [Paris] Commune was a joint text, by them and by me, and only one small part of the Commune book was taken from the joint text. I had this idea about the Commune as a festival, and I threw it into debate, after consulting an unpublished document about the Commune that is at the Feltrinelli Foundation in Milan. It's a diary about the Commune. The person who kept the diary - who was deported, by the way, and who brought back his diary from deportation several years later, around 1880 - recounts how, on March 28, 1871, Thier's soldiers came to look for the cannons that were in Montmartre and on the hills of Belleville; how the women who got up very early in the morning heard the noise and all ran out in the streets and surrounded the soldiers, laughing, having fun, greeting them in a friendly way. Then they went off to get coffee and offered it to the soldiers, and these soldiers, who had come to get the cannons, were more or less carried away by the people. First the women, then the men, everyone came out, in an atmosphere of popular festival. The Commune cannon incident was not at all a situation of armed heroes arriving and combating the soldiers taking the cannons. It didn't happen at all like that. It was the poeople who came out of their houses, who were enjoying themselves. The weather was beautiful, March 28 was the first day of spring, it was sunny: the women kiss the soldiers, they're relaxed, and the soldiers are absorbed into all of that, a Parisian popular festival. But this diary is an exception. And afterward the theorists of the heroes of the Commune said to me, "This is a testimonial, you can't write history from a testimonial." The Situacionists said more or less the same thing. I didn't read what they said; I did my work. There were ideas that were batted around in conversation, and then worked up in common texts. And then afterward, I wrote a study on the Commune. I worked for weeks in Milan, at the Feltrinelli Institute; I found unpublished documentation. I used it, and that's completely my right. Listen, I don't care at all about these accusations [by the Situacionists] of plagiarism. And I never took the time to read what they wrote about it in their journal. I know that I was dragged through the mud. And then, as for how I broke with them, it happened after an extremely complicated story concerning the journal Arguments. The idea had come up to stop editing Arguments because several of the collaborators in the journal, such as my friend Kostas Axelos, thought that its role was over; they thought they had nothing more to say. In fact, I have the text by Axelos where he talks about the dissolution of the group and of the journal. They thought it was finished and that it would be better to end it [quickly] rather than let it drag along. I was kept informed of these discussions. During discussions with Guy Debord, we talked about it and Debord said to me, "Our journal, the Internationale Situationniste has to replace Arguments." And so Argument's editor, and all the people there, had to agree. Everything depended on a certain man [Herval] who was very powerful at the time in publishing: he did a literary chronicle for L'Express, he was also in with the Nouvelle revue francais and the Editions de Minuit. He was extremely powerful, and everything depended on him. Well, at that moment I had broken up with a woman, very bitterly. She left me, and she took my address book with her. This meant I no longer had Herval's address. I telephoned Debord and told him I was perfectly willing to continue negotiations with Herval, but that I no longer had his address, his phone number, nothing. Debord began insulting me over the phone. He was furious and said, "I'm used to people like you who become traitors at the decisive moment." That's how the rupture between us began, and it continued in a curious way. This woman, Eveline - who, I forgot to mention, was a longtime friend of Michele Bernstein - had left me, and Nicole took her place, and Nicole was pregnant. She wanted the child, and so did I: it's Armelle. But Guy Debord and our little Situacionist friends sent a young woman to Navarrenx over Easter vacation to try to persuade Nicole to get an abortion

K.R.: Why?

H.L.: Because they didn't know, or they didn't want to know, that Nicole wanted this child just as I did. Can you believe that this woman, whose name was Denise and who was particularly unbearable, had been sent to persuade Nicole to have an abortion and leave me, in order to be with them? Then I understood - Nicole told me about it right away. She told me, "You know, this woman is on a mission from Guy Debord; they want me to leave you and get rid of the kid." So, since I already didn't much like Denise, I threw her out. Denise was the girlfriend of that Situacionist who had learned Chinese - I forget his name [Rene Vienet]. I'm telling you this because it's all very complex, everything gets mixed up; political history, ideology, women ... but there was time when it was a real, very warm friendship.

K.R.: You even wrote an article entitled "You Will All Be Situacionists."

H.L.: Oh yes, I did that to help bring about the replacement of Arguments by the Internationale Situationniste. Guy Debord accused me of having done nothing to get it published. Yes, it was Herval who was supposed to publish it. Lucky for me that itdidn't appear because afterwards they would have reproached me for it. But there's a point I want to go back to - the question of plagiarism. That bothered me quite a bit. Not a lot, just a little bit. We worked together day and night at Navarrenx, we went to sleep at nine in the morning (that was how they lived, going to sleep in the morning and sleeping all day).We ate nothing. It was appalling. I suffered throughout the week, not eating, just drinking. We must have drunk a hundred bottles. In a few days. Five ... and we were working while drinking. The text was almost a doctrinal resume of everything we were thinking, about situations, about transformations of life; it wasn't very long, just a few pages, handwritten. They took it away and typed it up, and afterwards thought they had a right to the ideas. These were ideas we tossed around on a little country walk I took them on. With a nice touch of perversity, I took them down a path that led nowhere, that got lost in the woods, fields, and so on. Michele Bernstein had a complete nervous breakdown, she didn't enjoy it at all. It's true, it wasn't urban, it was very deep in the country.

K.R.: A rural derive. Let's talk a about the derive in general. Do you think it brought anything new to spatial theory or to urban theory? In the way that it emphasized experimental games and practices, do you think it was more productive than a purely theoretical approach to the city?

H.L.: Yes. As I perceived it, the derive was more of a practice than a theory. It revealed the growing fragmentation of the city. In the course of its history, the city was once a powerful organic unity; for some time, however, that unity was becoming

undone, was fragmenting, and [the situacionists] were recording examples of what we had all been talking about, like the place where the new Bastille Opera is going to be built. The Place de la Bastille is the end of historic Paris - beyond that it's the Paris of the first industrialization of the nineteenth century. The Place des Vosges is still aristocratic Paris of the seventeenth century. When you get to the Bastille, another Paris begins, which is of the nineteenth century, but it's Paris of the bourgeoisie, of commercial, industrial expansion, at the same time that the commercial and industrial bourgeoisie takes hold of the Marais, the center of Paris - it spreads out beyond the Bastille, the rue de la Roquette, the rue du Faubourg Saint-Antoine, etc. So already the city is becoming fragmented. We had a vision of a city that was more and more fragmented without its organic unity being completely shattered. Afterward, of course, the peripheries and the suburbs highlighted the problem. But back then it wasn't yet obvious, and we thought that the practice of the derive revealed the idea of the fragmented city. But it was mostly done in Amsterdam. The experiment consisted of rendering different aspects or fragments of the city simultaneous, fragments that can only be seen successively, in the same way that there exist people who have never seen certain parts of the city.

K.R.: While the derive took the form of a narrative.

H.L.: That's it; one goes along in any direction and recounts what one sees.

K.R.: But the recounting can't be done simultaneously.

H.L.: Yes, it can, if you have a walkie-talkie. The goal was to attain a certain simultaneity. That was the goal; it didn't always work.

K.R.: So, a kind of synchronic history.

H.L.: Yes, that's it, a synchronic history. That was the meaning of Unitary Urbanism: unify what has a certain unity, but a lost unity, a disappearing unity.

K.R.: And it was during the time when you knew the situacionists that the idea of Unitary Urbanism began to lose its force?

H.L.: At the moment when urbanization became truly massive, that is, after 1960, and when the city, Paris, completely exploded. You know that there were very few suburbs in Paris; there were some, but very few. And then suddenly the whole area was filled, covered with little houses, with new cities, Sarcelles and the rest. Sarcelles became a kind of myth. There was even a disease that people called the "sarcellite." Around then Guy Debord's attitude changed - he went from Unitary Urbanism to the thesis of urbanistic ideology.

K.R.: And what was that transition, exactly?

H.L.: It was more than a transition, it was the abandonment of one position in order to adopt the exact opposite one. Between the idea of elaborating an urbanism and the thesis that all urbanism is an ideology is a profound modification. In fact, by saying that all urbanism was a bourgeois ideology, [the situacionists] abandoned the problem of the city. They left it behind. They thought that the problem no longer interested them. While I, on the other hand, continued to be interested; I thought that the explosion of the historic city was precisely the occasion for finding a larger theory of the city, and not a pretext for abandoning the problem. But it wasn't because of this that we fell out; we fell out for much more sordid reasons. That business about sabotaging Arguments, Herval's lost address - all that was completely ridiculous. But there were certainly deeper reasons. The theory of situations was itself abandoned, little by little. And the journal itself became a political organ. They began to insult everyone. That was part of Debord's attitude, or it might have been part of his difficulties - he split up with Michele Bernstein [in 1967]. I don't know, there were all kinds of circumstances that might have made him more polemical, more bitter, more violent. In the end, everything became oriented toward a kind of polemical violence. I think they ended up insulting just about everyone. And they also greatly exaggerated their role in May '68, after the fact.