Leonel Santos - Fernando Pessoa segundo Leonel Santos

O BONZO

Poeta genial, meio deus meio gente

Cantor de Salazar Sidónio Pais

Amigo de beber, bebeu demais

E a cirrose por fim fincou-lhe o dente



Desgostoso de o mundo andar pr’a frente

Voltou-se contra as forças naturais

Mas em batalhas vãs e desiguais

O mundo esborrachou-o totalmente



Clamou que o poeta é fingidor

Fingiu que a treva é luz, que o espinho é flor

Mas beber a fingir não foi capaz



Jaz agora à porta dum "café"

Acocorado como um chimpanzé

E o mundo não voltou nunca p’ra traz.

Lx. 30/O6/92





O BONZO I

O MITO É O TUDO QUE É NADA

A luz se extinga, o Sol desapareça

Não rode mais a terra, não haja Humanidade

Recuemos no tempo, matemos a verdade

Ponha-se o Cu no sitio da cabeça



O mito apenas, que é tudo, prevaleça

Suma-se a sombra da vã realidade

Nem fique o vento, nem o mar, nem a cidade

Tudo morra, se apague, se esqueça



A criança, a flor, o amor, a paixão

Tudo é mentira, é falso, é vão

Tudo é nada, oco, vazio e mudo



A Arte, a Ciência, a História, a Razão

Os Escravos, a Guerra, o Mundo, nada são

Tudo é nada. O nada é que é tudo.

Lisboa 06/07/92





BONZO II

O POETA É FINGIDOR

Se sustenta que o riso é que é a dor

Se esconde o bem do mundo e mostra o mal

Se distorce na vida o que é real

O poeta não sonha, é fingidor



Mas se carrega nas tintas e na cor

Se imagina e reforça o ideal

Se ultrapassa a visão do que é banal

E não mente nem finge, é sonhador



E o sonho do poeta, sonho embora

Não é o de quem dorme a certa hora

Mas o do quem escuta o Mundo atento



Quando o poeta finge a dor que sente

Mostra-nos o Mundo inversamente

E o sonho não é sonho, é fingimento

Leonel Santos

01-07-92