Leonel Santos - O ÚLTIMO DOS DEUSES

O Mercado (I)

Eis o deus-supremo, O Deus-Mercadoria

Valor único na vida, árida e vazia

Foram-se os salvadores, morreram as quimeras

Os sonhos grandes e ocos de outras eras

O Deus-Mercado, único e global,

É agora o grande deus universal

Ricos e pobres, crentes e ateus

Se curvam e rojam a este grande deus

Eis a herança sagrado-profana

De heróis e génios da espécie humana.

Tudo se afundou na doce fantasia

Que um sistema irracional e cego prometia

Toda a luta inglória por um mundo diferente

Ajudou este deus pançudo e decadente

Hoje há Mercado e consumidores... Morra de fome

E morra depressa, que não interessa, se não consome

Para e pensa humanidade insana

Que foi o pensamento que te fez humana!

Eu ouço ao longe ó louca Humanidade

Um grito, um som, talvez seja a Verdade

Talvez o desespero, eu não sei bem

E profetas agora o Mundo já não tem.

Onde param os heróis, os sábios, onde estão

Os valores a que chamais a civilização?

Onde está a Lei, a Justiça, a Glória

E a Paz onde está, esse mito da História?

Só o Deus-Mercado, absurdo e global

Reina nos escombros dum mundo irracional

Não há mais paz - acabou - nem justiça, nem nexo

Há guerra e armas, há droga e sexo

A Guerra tornou-se um valor permanente

Porque o valor, se torna maior, matando mais gente.

Viva o Drogado, que a bem do Mercado, é outro valor

Viva este ente, se já não é gente é consumidor.

Mulheres e crianças, tudo se vende, a bem do Mercado

O deus papa-gente, absurdo, inclemente, mas civilizado.

A Guerra tornou-se o grande primado à face da Terra

Porque o Mercado, deus desgraçado, não vive sem guerra

Aquele Terrorismo que aponta o abismo, quem é? Não sabeis

Pois é o Mercado, que já desesperado, não usa mais leis.

Meio globo morre de fome, não vive, não come, que hipocrisia

Do outro lado estoira o Mercado, porque não vende mercadoria

Eis as regras duras e cegas, do super-mundo civilizado

Toda a desordem da Nova Ordem do Deus-Mercado.



Lisboa, Maio de 2002

Leonel Santos