Otto Ruhle - (biografia) por Paul Mattick

OTTO RUHLE

(por Paul Mattick)

(1960)

A actividade de Otto Ruhle no movimento operário alemão esteve ligada ao trabalho de pequenas minorias restritas no interior e no exterior das organizações operárias oficiais. Os grupos aos quais aderiu directamente não tiveram em nenhum momento uma verdadeira importância. E mesmo se no interior destes grupos ocupou uma posição especial, não chegou nunca a identificar-se completamente com nenhuma organização. Não perdeu nunca de vista os interesses gerais da classe operária qualquer que fosse a estratégia política especial que tivesse apoiado em determinado momento particular.

Não podia considerar as organizações como um fim em si mesmo mas simplesmente como meios para o estabelecimento de relações sociais reais e para o desenvolvimento mais completo do indivíduo. Em virtude das suas largas concepções sobre a vida, foi por momentos acusado de apostasia, e contudo morreu tal como tinha vivido, socialista no sentido real da palavra. Hoje todo o programa e toda a designação perderam o seu sentido: os socialistas usam uma linguagem capitalista, todos os capitalistas usam uma linguagem socialista e todo o mundo crê em tudo e em nada. Esta situação é simplesmente o resultado de uma longa evolução iniciada pelo próprio movimento operário. É hoje perfeitamente claro que são aqueles que, no movimento operário tradicional, se opuseram a essas organizações não democráticas e às suas tácticas, que se podem chamar propriamente socialistas. Os chefes operários de ontem e de hoje não representaram e não representam um movimento de operários, mas um movimento capitalista de operários. Fora do movimento operário é que se criou a possibilidade de trabalhar com vista a alterações sociais decisivas. O facto de mesmo no interior das organizações operárias dominantes, Ruhle ter permanecido independente é uma prova da sua sinceridade e da sua integridade. Todo o seu pensamento foi contudo determinado pelo movimento ao qual se opunha e é necessário analisar as características deste para compreender o homem em si mesmo.

O movimento operário inicial não funcionava nem de acordo com a sua ideologia primitiva, nem de acordo com os seus interesses imediatos reais. Durante um certo tempo, serviu de instrumento de dominação para as classes dirigentes. Perdendo a princípio a sua independência, teve de dentro em pouco perder a sua própria existência. Os interesses investidos em regime capitalista não podem manter-se senão pela acumulação do poder. O processo de concentração do capital e do poder político obriga todo o movimento socialmente importante a tender ou a destruir o capitalismo ou a servi-lo de modo consequente. O antigo movimento operário não podia realizar este último ponto e não tinha nem vontade nem a capacidade de realizar o primeiro. Obrigado a ser um monopólio entre outros, foi varrido pelo desenvolvimento capitalista no sentido da direcção monopolista dos monopólios.

Na sua essência a história do antigo movimento operário é a história do mercado capitalista abordado segundo um ponto de vista "proletário". O que se designa por leis do mercado devia ser utilizado em favor da mercadoria. As acções colectivas deviam levar aos salários mais altos possíveis. O "poder económico" assim obtido devia ser consolidado por via da reforma social. Para obter os mais altos lucros possíveis, os capitalistas reforçavam a direcção organizada do mercado. Mas esta oposição entre capital e trabalho exprimia ao mesmo tempo uma identidade de interesses. Um e outro visavam a reorganização monopolista da sociedade capitalista, ainda que seguramente por trás das suas actividades conscientemente dirigidas, não existisse mais do que a necessidade de expansão do próprio capital. A sua política e as suas aspirações ainda que baseadas em grande parte sobre verdadeiros motivos tendo em conta os factos e as necessidades particulares, eram contudo determinados pelo carácter fetichista do seu sistema de produção.

À parte o fetichismo da mercadoria, qualquer que seja o significado que as leis do mercado possam tomar em relação às perdas ou aos ganhos particulares, e apesar de poderem ser utilizadas por este ou aquele outro grupo de interesses, em nenhum caso podem ser utilizadas em favor da classe operária tomada como um todo. Não é o mercado que governa o povo e determina as relações sociais reinantes, mas o facto de um grupo separado da sociedade, possuir ou dirigir ao mesmo tempo os meios de produção e os instrumentos de opressão. As condições do mercado, quaisquer que sejam, favorecem sempre o Capital. E se o não fizerem, serão transformadas, recusadas ou completadas por forças mais directas, mais poderosas, mais fundamentais, que são inerentes à propriedade e à gestão dos meios de produção.

Para vencer o capitalismo a acção fora das relações do mercado capital-trabalho, é necessária, acção que acaba ao mesmo tempo com o mercado e com as relações de classe. Limitada a acção ao interior da estrutura capitalista, o antigo movimento operário desenvolvia uma luta desde o inicio em condições ilegais. Estava votado a destruir-se a si mesmo ou a ser destruído do exterior. Estava destinado a ser quebrado do interior pela sua própria oposição revolucionária que daria nascença a novas organizações, ou condenado a ser destruído pela passagem capitalista da economia de mercado, à economia de mercado dirigido, com as alterações políticas que a acompanham. De facto foi esta segunda eventualidade que se realizou, porque a oposição revolucionária no interior do movimento operário não conseguiu desenvolver-se. Tinha a palavra mas não a força nem futuro imediato, enquanto que a classe operária acabava de passar meio século a construir uma fortaleza contra o seu inimigo capitalista e a construir para ela própria uma imensa prisão, sob a forma de movimento operário. É por isso que é necessário pôr em relevo homens como Otto Ruhle para descrever a oposição operária moderna, apesar de o facto de distinguir os indivíduos seja exactamente o oposto do seu próprio ponto de vista, e o oposto às necessidades dos operários que devem aprender a pensar em termos de classe mais do que em termos de personalidade revolucionárias.

A primeira guerra mundial e a reacção positiva do movimento operário perante a carnificina, não surpreendeu senão os que não tinham compreendido a sociedade capitalista e o sucesso do movimento operário no interior dos limites desta sociedade. Mas poucos o compreenderam verdadeiramente. Tal como a oposição do pré-guerra no interior do movimento operário pode ser evidenciada citando a obra literária e científica de alguns indivíduos entre os quais é necessário contar Ruhle, de igual modo a oposição operária contra a guerra pode exprimir-se por nomes como Rosa Luxemburgo, Mehring Liebknecht, Ruhle e outros. É com efeito revelador que a atitude oposta à guerra, por tão pouco eficaz que possa ter sido, teve em primeiro lugar de procurar uma autorização parlamentar. Teve de ser posta em cena no palco de uma instituição burguesa, mostrando assim os seus limites desde o seu início. Com efeito ela não serviu senão como precursor para o movimento burguês liberal para a paz que levou no fim de contas a pôr fim à guerra, sem alterar o statu quo capitalista. Se desde o início a maior parte dos operários estavam com a maioria belicista, não deixaram de ser menos numerosos ao seguirem a acção da sua burguesia contra a guerra que se terminou durante a República de Weimar.

As palavras de ordem contra a guerra ainda que lançadas por revolucionários tiveram simplesmente o papel de uma barragem particular da política burguesa e acabaram aí onde tinham nascido - no parlamento democrático burguês.

A verdadeira oposição à guerra e ao imperialismo fez a sua aparição sob a forma de deserções do exército e da fábrica e no reconhecimento, progressivamente crescente, da parte de muitos operários, de que a sua luta contra a guerra e a exploração que devia englobar a luta contra o antigo movimento operário e todas as suas concepções. Tal circunstâncias depõe a favor de Ruhle, cujo nome desapareceu rapidamente do quadro de honra da oposição contra a guerra. É claro que, naturalmente, Liebknecht e Luxemburgo não foram celebrados no início da segunda guerra mundial, senão por terem morrido muito tempo antes e por o mundo em guerra ter voltado de novo à "normalidade" e ter precisado de heróis operários defuntos para apoiar os chefes operários vivos que punham em execução uma política "realista" de reformas ou se colocavam ao serviço da política estrangeira da Rússia bolchevique.

A primeira guerra mundial revelou, sobretudo, que o movimento era uma parte e uma parcela da sociedade burguesa. As diferentes organizações de todos os países provaram que não tinham nem os meios nem a intenção de combater o capitalismo, e que não se interessavam senão por garantir a sua própria existência no interior da estrutura capitalista. Na Alemanha isso foi particularmente evidente porque no interior do movimento internacional as organizações alemãs, eram as mais numerosas e as mais unificadas. Para renunciar ao que havia sido construído desde as leis anti-socialistas de Bismark a oposição minoritária no interior do partido socialista deu provas de coacção voluntária sobre si própria a um ponto desconhecido nos outros países. Mas então a oposição russa exilada tinha menos a perder, pois tinha rompido com os socialistas e os partidários da colaboração de classes uma década antes da guerra mundial. E é difícil ver nos adoçados argumentos pacifistas do Partido Trabalhista Independente (I.L.P.) qualquer oposição real ao social-patriotismo que saturou o movimento operário inglês. Mas esperava-se mais da esquerda alemã do que de qualquer outro grupo no interior da Internacional e a sua atitude face ao eclodir da guerra foi sob este aspecto particularmente decepcionante. Postas de parte as condições psicológicas individuais esta atitude foi o resultado do fetichismo de organização que reinava no movimento.

Este fetichismo exigia a disciplina e a adesão estreita, a minoria devendo submeter-se à vontade da maioria. E apesar de ser evidente que nas condições do capitalismo, estas fórmulas escondem simplesmente factos opostos, a oposição não conseguiu perceber que a democracia inteira do movimento operário não era diferente da democracia burguesa em geral. Uma minoria possuía e dirigia as organizações tal como a minoria capitalista possuía e dirigia os meios de produção e o aparelho de estado. Nos dois casos, as minorias, em virtude da direcção determinam o comportamento das maiorias. Mas dada a força dos processos tradicionais, em nome da disciplina e da unidade, embaraçada e indo contra o que melhor sabia, esta minoria de oposição à guerra apoiou o chauvinismo social-democrata. Não ouve senão um homem no Reichstag de Agosto de 1914 - Fritz Kunert - que não foi capaz de votar os créditos de guerra, mas também não foi capaz de votar contra eles; e assim para satisfazer a sua consciência absteve-se de votar uma ou outra das posições. Na primavera de 1915 Liebknecht e Ruhle foram os primeiros a votar contra os créditos de guerra do governo. Ficaram sós durante algum tempo e não encontraram companheiros senão no momento em que as possibilidades de uma paz vitoriosa desapareceram do jogo dos revezes militares. Depois de 1916 a atitude radical contra a guerra foi apoiada e recuperada por um movimento burguês em busca de uma paz negociada, movimento que finalmente foi encarregado de herdar toda a falência do imperialismo alemão.

Enquanto violadores da disciplina, Liebknecht e Ruhle foram expulsos do grupo social-democrático do Reichstag. Como Rosa Luxemburgo, Franz Mehring e outros, hoje mais ou menos esquecidos, organizaram o grupo "Internationale" e publicaram uma revista do mesmo nome para expor a ideia do internacionalismo no mundo em guerra. Em 1916, organizaram o Spartacusbund que colaborava com outras formações de ala esquerda, como a "Internationalen Sozialiste" com Julien Borchardt como porta-voz, e o grupo formado à volta de Johann Knief e do jornal radical de Bremen "Arbeiterpolitik". Retrospectivamente parece que este último grupo era o mais avançado, isto é o mais avançado no distanciamento das tradições sociais-democratas e na sua orientação para novos modos de abordar a luta de classe proletária. O Spartacusbund estava ainda ligado ao fetichismo da organização e da unidade, que dominavam o movimento operário alemão, e daí a sua atitude oscilante em relação às primeiras tentativas de dar uma nova orientação ao movimento socialista internacional em Zimmerwald e em Kientahl. Os espartaquistas não eram favoráveis a uma rotura clara com o velho movimento operário no sentido do exemplo mais precoce dado pelos bolcheviques. Esperavam ainda levar o partido à sua própria posição e evitar cuidadosamente toda a política de rotura inconciliável. Em Abril de 1917 o Spartacusbund uniu-se aos Socialistas Independentes que formavam o centro do antigo movimento operário, mas que já não queriam encobrir o chauvinismo da ala maioritária conservadora do partido social-democrata. Relativamente independente, apesar de permanecer no interior do Partido Socialista independente, o Spartacusbund não abandonou esta organização senão no fim de 1918.

No interior do Spartacusbund, Otto Ruhle partilhava a posição de Liebknecht e de Rosa Luxemburgo, que haviam sido atacados pelos bolcheviques como não consequentes. E essa posição não era inconsequente senão por motivos de outra ordem. À primeira vista o principal parecia baseado na ilusão de que o partido social-democrata podia ser reformado. Com a alteração das circunstâncias, segundo se esperava, as massas deixariam de seguir os seus chefes conservadores para apoiar a ala esquerda do partido. E apesar de tais ilusões terem na realidade existido, primeiramente em relação ao velho partido e mais tarde em relação aos socialistas independentes, não explicam a hesitação da parte dos chefes spartaquistas em se empenharem nas vias do bolchevismo. Na realidade os spartaquistas encontravam-se perante um dilema qualquer que tenha sido a direcção dos seus pontos de vista. Não procurando no momento exacto romper resolutamente com a social-democracia, perderam a ocasião de construir uma forte organização capaz de jogar um papel decisivo nas sublevações sociais previsíveis. Contudo, considerando a situação real na Alemanha, e atendendo à história do movimento operário alemão seria difícil acreditar na possibilidade de formar rapidamente um contra-partido oposto às organizações operárias dominantes. Naturalmente teria sido possível formar um partido à maneira de Lenine, um partido de revolucionários profissionais, tendo por objectivo usurpar o poder, se tal fosse necessário, contra a maioria da classe operária. Mas era precisamente, ao que os companheiros de Rosa Luxemburgo não aspiravam. Ao longo dos anos de oposição ao revisionismo e ao reformismo, nunca havia reduzido a distância que os separava da "esquerda" russa, da concepção de Lenine da organização e da revolução. Ao longo de vivas controvérsias Rosa Luxemburgo tinha indicado claramente o facto de as concepções de Lenine serem de natureza jacobina e inaplicáveis na Europa ocidental onde não era uma revolução burguesa que estava na ordem do dia, mas uma revolução proletária. Apesar de também falar em ditadura do proletariado, essa ditadura significava para ele, o que se distinguia de Lenine, "a maneira de aplicar a democracia - não a sua abolição - deveria ser obra da classe operária, e não a de uma pequena minoria em nome a classe."

De modo entusiasta e tal como Liebknecht, Luxemburgo e Ruhle saudaram o derrubamento do tsarismo, mas não abandonaram por isso a sua atitude crítica, e não esqueceram nem o caracter do partido bolchevique, nem os limites históricos da Revolução Russa. Mas para além das realidades imediatas e do resultado final desta revolução, era necessário apoiá-la como a primeira ruptura na falange imperialista e precursora da esperada revolução alemã. Desta última tinham aparecido muitos sinais prenunciadores: as greves, os protestos, contra a fome, sublevações e várias formas de resistência passiva. Mas a oposição crescente contra a guerra e a ditadura de Ludendorff não encontrou nenhuma expressão organizativa que atingisse extensão considerável. Em vez de evoluírem para a esquerda, as massas seguiam as suas velhas organizações e alinhavam com a burguesia liberal. As sublevações na Marinha Alemã e a revolta de Novembro foram desencadeadas segundo o espírito da social-democracia, isto é segundo o espírito da burguesia alemã vencida.

A revolução alemã parecia mais vigorosa que na realidade era. O entusiasmo espontâneo dos operários tendia mais para acabar com a guerra do que para alterar as relações sociais existentes. As suas reivindicações expressas nos conselhos de operários e de soldados não ultrapassavam as possibilidades da sociedade burguesa. Mesmo a minoria revolucionária e particularmente o Spartacusbund não conseguiu desenvolver um programa revolucionário coerente. As suas reivindicações políticas e económicas eram de natureza dupla; foram estabelecidas com um duplo objectivo: como reivindicações destinadas a ser aceites pela burguesia e seus aliados sociais-democratas, e como palavras de ordem de uma revolução que devia acabar com a sociedade burguesa e seus defensores.

Naturalmente no seio do oceano de mediocridade que foi a revolução alemã, existiram correntes revolucionárias que reanimaram o coração dos radicais e os levaram a empenharem-se em processos historicamente ultrapassados. Sucessos parciais devidos à estupefacção momentânea das classes dominantes e à passividade geral das grandes massas, por quatro anos de fome e de guerra, alimentavam a esperança de que a revolução poderia terminar numa sociedade socialista. Somente, ninguém sabia realmente ao que se assemelhava a sociedade socialista e quais os passos que era necessário dar para lhe dar existência. "Todo o poder aos conselhos de operários e de soldados". Apesar de atraente como palavra de ordem, deixava contudo todas as questões essencialmente abertas. Assim as lutas revolucionárias que se seguiram a Novembro de 1918 não foram determinadas por panos conscientemente elaborados por uma minoria revolucionária mas foram impostos pela contra-revolução que se desenvolvia lentamente e que se apoiava sobre a maioria do povo. O facto é que as largas massas alemãs, no interior e no exterior do movimento operário, não visavam o estabelecimento de uma nova sociedade, mas estavam viradas para a restauração do capitalismo liberal, sem os seus maus aspectos, as suas desigualdades políticas, sem o seu militarismo e o seu imperialismo. Desejavam tão só que se completassem as reformas iniciadas antes da guerra e destinadas a um benévolo sistema capitalista.

A ambiguidade que caracterizava a política do Spartacusbund foi em grande parte produto do conservantismo das massas. Os chefes spartaquistas estavam prontos por um lado a seguir a linha nitidamente revolucionária, que desejavam os pretensos "ultra-esquerdistas" e por outro estavam seguros de tal política não podia ter qualquer sucesso dada a atitude predominante das massas e a situação internacional.

O efeito da revolução russa sobre a Alemanha foi apenas perceptível. Não havia por ouro lado, razões para esperar que uma viragem radical na Alemanha pudesse Ter alguma repercussão superior na França, em Inglaterra ou na América. Se tinha sido difícil para os aliados intervir na Rússia de modo decisivo, encontrariam certamente muito menores dificuldades para esmagar o movimento comunista alemão. Após as vitórias militares, o capitalismo destas nações tinha-se consideravelmente reforçado; nada indicava com efeito que as suas massas patriotas recusassem combater uma Alemanha mais fraca. Em todo o caso, postas de parte considerações desta ordem, existiam poucas razões para crer que as massas alemãs preocupadas em desembaraçar-se das suas armas, retomassem a guerra contra um capitalismo estrangeiro para se libertarem do seu. A política aparentemente mais "realista" em face da situação internacional, e que pouco tempo depois foi proposta por Wolfheim e Lauffenberg, sob a designação de nacional-bolchevismo, continuava não ser realista dadas as relações de forças reais do após guerra. O plano de retomar a guerra com o auxilio da Rússia contra o capitalismo dos Aliados não tinha em conta o facto de os bolcheviques não estarem dispostos a participarem numa tal aventura, nem capazes de o fazer. Naturalmente os bolcheviques não se tinham oposto à Alemanha, nem a nenhuma outra nação criando dificuldades aos imperialistas; contudo eles não encorajavam a ideia de uma nova guerra em larga escala para propagar a revolução mundial. Pretendiam apoio para o seu próprio regime cuja manutenção era ainda uma questão para os próprios bolcheviques, mas não estavam interessados no apoio a outras revoluções noutros países por meios militares. Seguir um curso nacionalista dependente da questão das alianças, por um lado, e ao mesmo tempo unificar a Alemanha, uma vez mais para uma guerra de "libertação" da opressão estrangeira, estava fora de questão: pela razão de que as camadas sociais que os "nacionais-revolucionários" tinham de ganhar tinham de ganhar para a sua causa eram precisamente aquelas que tinham posto fim à guerra antes da derrota completa dos exércitos alemães para prevenir a extensão do "bolchevismo". Incapazes de se tornarem os senhores do capitalismo internacional, preferiram manter-se como os seus melhores servidores. Contudo não havia processo de tratar as questões alemãs interiores sem uma política exterior definida. A revolução alemã estava assim derrotada antes mesmo de se poder desencadear, batida pelo seu próprio capitalismo e pelo capitalismo mundial.

A necessidade de considerar seriamente as relações internacionais não ocorreu nunca à Esquerda alemã. Foi talvez a mais clara indicação da sua fraca importância. A questão de saber o que fazer do poder político uma vez conquistado não foi também nunca concretamente levantada. Ninguém parecia acreditar que tais questões merecessem uma resposta. Liebknecht e Luxemburgo estavam seguros de que um longo período de luta de classes se seguiria para o proletariado alemão sem nenhum sinal de vitória rápida. Pretendiam tirar dele o melhor partido e preconizavam o regresso ao trabalho parlamentar e sindical. Contudo nas suas actividades anteriores tinham já ultrapassado as fronteiras da política burguesa; não podiam voltar de novo às prisões da tradição. Tinham reunido o elemento mais radical do proletariado alemão que estava decidido agora a considerar todo o combate como luta final contra o capitalismo. Este operários consideravam a revolução russa em função das suas próprias necessidades e da sua própria mentalidade; não se preocupavam tanto com as dificuldades dissimuladas no futuro como com destruir o mais rapidamente possível as forças do passado. Só havia duas vias abertas para os revolucionários, ou cair com as forças cuja causa estava perdida desde o inicio ou regressar ao bando da democracia burguesa e desenvolver o trabalho social ao serviço das classes dominantes. Para o verdadeiro revolucionário não havia senão uma única via: tombar com os operários combatentes. Por isso Eugene Levine falava do revolucionário com de "une personne morte en congé" e foi por isso que Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram para a morte quase como sonâmbulos. Foi por puro acidente que Otto Ruhle e muitos outros membros da Esquerda resoluta ficaram vivos.

O facto de a burguesia internacional ter podido terminar a sua guerra apenas com a perda temporária da questão russa determinou toda a história do após-guerra na sua queda para a Segunda guerra mundial. Retrospectivamente as lutas do proletariado alemão de 1919 a 1923 aparecem como fricções secundárias que acompanharam o processo de reorganização capitalista que se seguiu à crise da guerra. Mas ouve sempre uma tendência para considerar os sub-produtos das alterações violentas na estrutura capitalista, como expressões da vontade revolucionária do proletariado. Os optimistas radicais todavia assobiavam durante a noite. A noite é certamente uma realidade e o barulho é encorajante, mas contudo a essa hora tardia, é inútil tomar isso a sério. Por mais impressionante que seja a história de Otto Ruhle como revolucionário prático, por mais exaltante que seja lembrar as jornadas de acção proletárias em Dresde, no Saxe, na Alemanha - meetings, manifestações, greves, combates de rua, discussões ardentes, esperanças, medos, decepções, a amargura da derrota e os sofrimentos da prisão e da morte - contudo apenas se podem tirar lições negativas de todas estas tentativas. Toda a energia e todo o entusiasmo não foram suficientes para operar uma alteração social e para modificar a mentalidade contemporânea. A lição a retirar referiria apenas o que não se deveria ter feito. Como realizar as necessidades revolucionárias do proletariado, não se tinha ainda descoberto.

As sublevações propícias à emoção forneciam um estímulo jamais esgotado para a procura da resposta. A revolução que durante tanto tempo tinha sido uma simples teoria e uma vaga esperança aparecera em dado momento como uma possibilidade prática. Tinha se perdido a ocasião, sem dúvida, mas uma nova possibilidade surgiria para ser utilizada de melhor forma. Se as pessoas não eram revolucionárias, pelo menos a "época" era, e as condições de crise que reinavam revolucionariam cedo ou tarde o espírito dos operários.

Se o fogo dos esquadrões da polícia social-democrata tinha posto fim à luta, se a iniciativa dos operários era uma vez mais destruída pela castração dos seus conselhos por meio da legalização, se os seus chefes actuavam de novo não como a classe mas "para o bem da classe", em diferentes organizações capitalistas, a guerra tinha revelado que as contradições fundamentais do capitalismo eram insolúveis e que o estado da crise era o estado "normal" do capitalismo. Novas acções revolucionárias eram prováveis e encontrariam os revolucionários mais bem preparados.

Apesar das revoluções da Alemanha, da Áustria, da Hungria terem fracassado existia ainda a revolução russa para lembrar ao mundo a realidade dos objectivos proletários todas as discussões se centravam à volta desta revolução, e com razão, pois esta revolução tinha determinado o curso futuro da Esquerda alemã. Em Dezembro de 1919 formou-se o Partido Comunista Alemão. Depois do assassinato de Liebknecht e Luxemburgo, foi dirigido por Paul Levy e Karl Radek. Esta nova direcção foi imediatamente atacada por uma oposição de esquerda no interior do partido - oposição à qual pertencia Ruhle - em virtude da tendência da direcção para defender o regresso à actividade parlamentar.

Quando foi fundado o Partido, o seus elementos radicais tinham conseguido dar-lhe um caracter anti-parlamentar e uma direcção largamente democrática, o que o distinguia do tipo leninista de organização. Uma política anti-sindical foi então adoptada. Liebknecht e Luxemburgo subordinaram as suas próprias divergências às exigências da maioria radical. Mas não Levy nem Radek. Já no Verão de 1919 haviam ameaçado cindir o partido para participarem nas eleições parlamentares. Simultaneamente fizeram propaganda a favor do regresso ao trabalho sindical, apesar de o partido estar empenhado na fundação de novas organizações não baseadas em profissões nem em indústria, mas nas fábricas. Essas organizações de fábrica estavam coligadas numa só organização sindical de classe, a União Geral Trabalho (Allgemeine Arbeiter Union Deutschlands). No congresso de Heidelberg em Outubro de 1919 todos os delegados estavam em desacordo com o novo comité central e em face da posição tomada a propósito da fundação do partido comunista foram expulsos. No mês de Fevereiro seguinte o comité central decidiu expurgar todos os sectores ("distritos") dirigidos pela oposição de esquerda. A oposição tinha o bureau de Amsterdão da Internacional comunista pelo seu lado, o que levou à dissolução deste bureau pela Internacional a fim de apoiar o bloco Levy-Radek. E finalmente em 1920 a ala esquerda fundou o partido operário comunista (Kommunistischs Arbeiter Partei Deutschslands). Durante todo este período Otto Ruhle estava do lado da oposição de esquerda.

O Partido Operário Comunista não dava conta do facto de a sua luta contra os grupos reunidos em torno de Radek e Levy ser o retomar da velha luta da esquerda alemã contra o bolchevismo e num sentido mais lato contra a nova estrutura do capitalismo mundial que tomava forma a pouco e pouco. Foi tomada a decisão de entrada para a Internacional Comunista.

O partido Operário Comunista parecia ser mais bolchevique do que os próprios bolcheviques. De todos os grupos revolucionários, era ele que mais insistia para o auxilio directo aos bolcheviques, durante a guerra russo-polaca. Mas a Internacional Comunista não tinha necessidade de tomar nova decisão contra os "ultra-esquerdistas", pois os seus chefes tinham tomado essas decisões 20 anos antes. Contudo o executivo da Internacional Comunista procurou manter contacto com o K.A.P.D., não só porque ele mantinha ainda a maioria do antigo Partido Comunista, mas porque tanto Levy como Radek apesar de executarem o trabalho dos bolcheviques na Alemanha, tinham sido os discípulos mais próximos não de Lenine, mas de Rosa Luxemburgo. No segundo congresso mundial de III Internacional em 1920, os bolcheviques russos estavam já em situação de ditarem a política internacional. Otto Ruhle assistindo ao congresso, reconheceu a impossibilidade de modificar este estado de coisas e a necessidade imediata de combater a Internacional bolchevique no interesse da revolução proletária.

O Partido Operário Comunista enviou uma nova delegação a Moscovo que regressou com os mesmos resultados. Todo o processo foi resumido na "Carta aberta a Lenine" de Herman Gorter que respondeu ao "comunismo de esquerda, doença infantil" de Lenine. A acção da III Internacional contra os "ultra-esquerdistas" era a primeira tentativa aberta para levantar obstáculos às diferentes secções nacionais e para as dirigir. A pressão exercida sobre o Partido Operário Comunista para um regresso ao parlamentarismo e ao sindicalismo continuou sem cessar, mas o Partido Operário Comunista retirou-se da III Internacional depois do seu III congresso.

No II Congresso mundial, os chefes bolcheviques para assegurarem o controle da direcção da Internacional propuseram XXI condições para a admissão à internacional comunista. Como dirigiam o Congresso não tiveram qualquer dificuldade em fazer aprovar as suas condições. Assim a luta sobre as questões de organização que vinte anos atrás havia provocado controvérsia entre Lenine e Luxemburgo, foi abertamente retomada. Por trás das questões organizativas debatidas, havia naturalmente as diferenças fundamentais entre a revolução bolchevique e as necessidades do proletariado ocidental.

Para Otto Ruhle estas vinte e uma condições bastavam para destruir as últimas ilusões sobre o regime bolchevique. Estas condições asseguravam ao Executivo da Internacional, isto é aos chefes do partido russo, um controle completo e uma autoridade total sobre todas as secções nacionais da Internacional. Segundo Lenine não era possível realizar a ditadura a uma escala internacional "sem um partido estritamente disciplinado e centralizado, capaz de conduzir e gerir cada ramo, cada esfera, cada variedade do trabalho político e cultural". Pareceu a Ruhle que por trás da atitude ditatorial de Lenine, havia simplesmente a arrogância do vencedor procurando impor ao mundo os métodos de combate e o tipo de organização que tinham levado os bolcheviques ao poder.

"Ruhle era na altura incapaz de determinar porque meios seria derrotado o fascismo. Mas estava certo que os mecanismos e a dinâmica da revolução sofreriam alterações fundamentais. A auto-expropriação e a proletarização da burguesia na Segunda Guerra Mundial e a destruição do nacionalismo pela aniquilação dos pequenos estados, a política mundial capitalista de Estado tinham para Ruhle não só aspectos negativos, mas também aspectos positivos: a criação de novos pontos de partida par a acção anti-capitalista. Até à sua morte sustentou que a concepção de classe se expandiria até criar um interesse maioritário a favor do socialismo. A luta de classes deveria transformar-se de categoria ideológica abstracta que era, em categoria económica prática positiva. E considerava a eleição dos conselhos de fábrica no desenvolvimento da democracia operária, como uma reacção contra o terror burocrático. Para ele o movimento operário não estava morto, mas nasceria das lutas sociais do futuro.

Se Ruhle, finalmente, apenas tinha esperança que o futuro resolvesse os problemas que o velho movimento operário não tinha conseguido resolver, tal esperança não era produto da fé mas do conhecimento das tendências sociais reais. Essa esperança não encerra um guia sobre o modo de realizar a transformação social necessária. Exigia contudo uma rotura com as actividades inúteis e com as organizações sem esperança. Exigia o conhecimento das razões que haviam conduzido à desintegração do velho movimento operário e a procura dos elementos que marcam os limites dos sistemas totalitários contemporâneos, dominantes. Exigia uma distinção clara entre a ideologia e a realidade, afim de descobrir nesta última os factores que escapam à direcção totalitária.

O que é necessário, independentemente de ser pouco ou muito - para transformar a sociedade - descobre-se exclusivamente a partir deste índice de facto. Mas o prato da balança social é delicado e particularmente sensível hoje em dia. As mais poderosas coacções sobre os homens são verdadeiramente irrisórias se comparadas com as formidáveis contradições que dilaceram o mundo de hoje. Otto Ruhle tinha razão ao indicar que as actividades que fariam descer o prato da balança social a favor do socialismo não seriam descobertas por meio de métodos ligados às actividades anteriores nem às organizações sociais tradicionais. Deviam ser descobertas no seio das relações sociais em transformação, que são ainda determinadas pela contradição entre relações capitalistas de produção e a direcção do movimento das forças produtivas da sociedade. Descobrir estas relações, isto é reconhecer a revolução a partir das realidades de hoje será a tarefa dos que continuarem a avançar segundo o espírito de Otto Ruhle.

PAUL MATTICK (Boston 1960)