Leonel Santos - A Sociedade Paradoxal I

A SOCIEDADE PARADOXAL I (*)

Horas tão amargas quanto inquietas

Tristeza mais que tudo e frustração

Eis o palco onde nós as marionetas

Se movemos num mundo em convulsão...

Os sábios p’ra que servem e os profetas

Se amanhã não sabem já quem são


Quem espera um futuro espera em vão

A Vida no dinheiro não tem futuro

Vivemos a dormir sobre um vulcão

Num mundo cada vez mais inseguro

É forçoso apagar essa ilusão

Neste deserto infinito, ardente e duro


Já não cremos na Esfinge e no Dragão

Somos gente, assaz, civilizada

Mas corremos atrás d’abstracção

A abstracção bendita, a abstracção sagrada

O dinheiro deus da civilização

Que na vida é tudo e o Homem é nada


Tecnicamente no mundo actual

Temos tecnologia e capacidade

P’ra produzir fartura industrial

Como nunca dantes teve a Humanidade

Mas é nesta hora de riqueza material

Que mais a fome avança e a necessidade


Vemos que este modelo não é racional

Que temos de pensar profundamente

Que não é só na rua gritando contra o mal

Que o mal acaba por fugir da gente

Mas que esta sociedade paradoxal

Tem de mudar a base onde está assente


Separados produto e produtor

Posta a mercadoria no Mercado

Ali lhe é atribuído então Valor

E o produto personalizado

Ganha aí um cunho livre e superior

De quem o produziu dissociado


E ei-lo então, senhor e rei, transfigurado

Na abstracção sagrada e colossal

Nas garras insensíveis do Mercado

Onde o dinheiro, mediador comercial

Ao seu jugo o sujeita em todo o lado

Com a sua apetência transversal


E assim o deus dinheiro é desde então

A potência suprema e opressora

Que trás o Homem preso à sua mão

É ele o monstro divino que devora

O Homem e a Terra…o Leviatão,

A Medusa antiga que nos apavora


Mas dentro do valor dissociativo

Esgotou o seu percurso e já não tem

Seu valor aparente, excelso, altivo

Que só do produtor humano vem

Que é deveras o gérmen produtivo

Porque o valor não sai de mais ninguém


A técnica moderna manda pôr

A máquina no lugar da produção

Mas sem o Homem produtor

Expôs-se a nudez da abstracção

O Mercado paralisa sem valor

E o dinheiro perde aí sua função


(*) Falta de nexo ou de lógica

LEONEL SANTOS

Maio, 2012