OS ESCRAVOS DO DINHEIRO II
Parem as máquinas, os tractores, as segadeiras
Toda a tecnologia, a mais recente
Arranquem com as mãos, as pedras, do fundo das pedreiras
E vai haver trabalho pr’a toda a gente
Desapareçam os cilindros e as britadeiras
Regresse enxada e ancinho novamente
Enferrujem os comboios, os carris, o avião
Apodreçam e desfaçam-se em sucata
Tragam de novo a carroça e o carro de mão
Comprem um burro ou toca a andar à pata
Calça de surrobeco bota-de-elástico ou cordovão*
Lume feito a lenha, que fica mais barata
Voltem a acender velas de cera e estearina
Candeeiros a petróleo, archotes ou azeite
Comprem uma carroça, poupem gasolina
E uma cabrinha dá-lhes sempre, carne e leite
Comam saramagos frescos da campina
E o caracol dos campos se aproveite
Podem ainda comprar um borrego ou um leitão
Vender ovos, comprar patos e galinhas
Comer beldroegas com algum feijão
Azedas e urtigas e fazer sopinhas
Chama-se a isto «Civilização»
Segundo políticos e padres nas suas ladainhas
Fanáticos do trabalho parem de gritar!
O trabalho já não vem depois de morto
As máquinas vieram para mostrar
Que tudo dantes era inda mais torto…
Que o Homem nunca teve pr’a’judar
Tanto tempo como agora o desgraçado corpo
Vede as máquinas que fazem numa hora
O que o Homem em doze horas não faria
E melhor cem vezes do que outrora
Quando media o martelo a energia
E quando o comboio a lenha, campos fora
Fumava muito mais que se movia
Agora só com um disco em rotação
Se corta o ferro, a pedra e a madeira
Tão depressa quanto se corta o próprio pão
Com um simples canivete de algibeira
E enquanto se derruba cinco ou seis árvores à mão
Se destrói com a motosserra a selva inteira
A escavadora é hoje uma arma de guerra
Que cinquenta de nós ou mais não venceremos
Derribando a vertente rochosa duma serra
Com os nossos esforços mais supremos...
Se nunca em tempo algum houve na terra
Mais condições pr’a viver do que hoje temos
Que sentido nos faz correr para o abismo
Curvados ao dinheiro que rebuscamos
Esse deus sacrossanto do capitalismo?
Sim… que sentido há quando legamos
A nossa humana espécie ao abstraccionismo
O que é esse amanhã que procuramos?
Escravos do passado em busca do dinheiro
Escravos do dinheiro porque o não temos
Escravos dispersos pelo mundo inteiro
Bastardos dum mundo que nunca tivemos
Sem máquinas tivemos palha e um palheiro
Com máquinas, nem palheiro nem palha temos!
Com máquina ou sem máquina igual missão
Só o nome se mudou à escravatura
Socialmente sepultou-se a evolução
Como experiencia velha ensina e jura
Quantos tombaram no seio da escravidão
Quantos tombam hoje à sua procura?
Mova-se a enxada, a picareta, o alvião
Aprenda-se a doutor ou engenheiro
Defina-se a partícula incerta do Bosão
O curso da Sociedade do Dinheiro
É fugir-lhe ou morrer na sua mão
Como o anho nas mãos do carniceiro!
Leonel Santos
Lisboa, Julho 2012
*Botas de pele de cabra