Leonel Santos - A COMÉDIA DA TRAGÉDIA




1

Salve, guerra gloriosa e civilizada

Farol do saber e da razão

Valeu a pena a nossa caminhada

Da barbárie antiga à civilização

2

Da moca e da funda à bomba-nuclear

Que evolução nobre, serena e sadia

Vemos-te agora, enfim, desabrochar

Ó flor sublime da democracia

3

Salve, guerra santa e libertadora

Do nosso património e das nossas vidas

Aqui onde o Bem e a Justiça mora

Só faltam super-bombas e "corta-margaridas"

4

Ó doce e gloriosa bomba-inteligente

Quem não tem orgulho do teu efeito nobre

Deusa do Mercado omnipotente

Transformando em oiro o que é vil e pobre

5

Ó sibilante míssil, ó pássaro voador

Imponente rei de solitários céus

Construiu-te a raça superior

Que segundo os padres foi feita por "Deus"

6

Ó guerra sábia, moderna e diferente

Das velhas guerras de heróis pensantes

Barregã que pare mas que fica sempre

Pronta a parir como estava dantes

7

Ó guerra-nova, guerra-Mercado

Guerra-negócio, fuga ilusória

No novo mundo civilizado

És tu a besta que rege a história

8

Biliões de livros, praga infinita

De doutores e génios todos imortais

Rios de cultura, sábios da escrita

Cuja cabeça já não leva mais

9

Mediram eles o fundo dos mares

Os picos nevosos das altas montanhas

Fizeram as naves que cortam os ares

Contaram os genes das nossas entranhas

10

Ó maravilha! Mas quem poderia

Contar os heróis e os mestres da Terra

Sem tais luminárias quem é que sabia

Os altos valores que existem na guerra

11

Valeu a pena o esforço humano

Todo o saber que o passado encerra

Para consolidar teu valor soberano

E humanitário, gloriosa guerra

12

Foi-se a velha flecha e nobre espada

O tropel antigo da cavalaria

Ficou-nos a guerra civilizada

E as bombas sábias da democracia

13

Avança ó guerra gloriosa

Eu te saúdo da minha pequenez...

Talvez um dia na tua senda honrosa

Consigas liquidar todos duma vez

14

Mas a paz, perguntais? A paz é mito

É sonho inocente, é utopia

A paz é estratégia e doce grito

Dum mundo onde não cabe essa valia

15

A paz, diz o Mercado omnipotente

É apenas oportuna e necessária

Para esconder estrategicamente

O nome da guerra na conta bancária

16

A paz nunca teve valor de Mercado

Não vende armamento, não compra também

Não tem generais, não paga ordenado

Dos lucros da paz não vive ninguém



Lisboa, Março de 2003

Leonel Santos



A OVELHA NEGRA



Estava feliz o Mundo e sossegado

A um passo, pouco mais, da perfeição

Quando fora de toda a previsão

Surge um certo Hussein de mau costado



Já não havia droga no Mercado

Nem havia também corrupção

A fome já passara a ficção

E o crime tinha sido exterminado



A Terra era agora tão serena

Como um hino de paz e de harmonia

O Bem, a Justiça, a Lei terrena



Nunca tinham atingido esta fasquia

Quando o tal Hussein, foi uma pena

Escaqueirou com tudo o que existia



Lisboa, Março 2003

Leonel Santos