Há quem lhe chame Crise, muito embora
O Monstro ande por’i desaustinado
Na Terra onde nasceu e onde mora
Com o nome que teve no passado
Devorando milhões a toda a hora
Roubando e matando em todo o lado
Se esqueça o colossal Adamastor
E a antiga lenda que o gerou
Que este Monstro é muito superior
Ao que a lenda antiga nos deixou
É a Besta suprema, o deus Valor
Que sempre em nossos pés se deslocou
É chamado de Crise, por interesse
De ocultar-lhe o nome e a figura
Porque apavora o Mundo e o estremece
Como qualquer medonha criatura
Mas já por todo o Mundo a nossa espécie
Lhe experimenta a sanha e a loucura
Armas, drogas, escravos repintados
Orgãos, corrupção, pedofilia
A miséria, a doença, os desgraçados
Onde a Igreja engorda a padraria
São negócios de lucros avultados
Com que o Monstro vive o dia a dia
A cada hora há nos poluídos ares
Um som cavo de gritos aflitivos
Porque o Monstro trucida nos altares
Da guerra e da paz, mortos e vivos
E impele à pobreza mais milhares
De novos miseráveis e cativos
Segundo o fetiche dos Mercados
Qualquer humana criatura
É vendida inteira ou aos bocados
Mas se o agente humano não figura
Todos os Valores são anulados
Nas leis da oferta e da procura
Abraçando a Terra, qual serpente
O Monstro sufoca em seus anéis
O Mundo que esperneia inutilmente
Na teia irracional das suas leis
Onde o virus do Sistema é mais potente
Que o de todas as taipans e cascavéis
Com a morte do Trabalho na presença
O Monstro se tornou mais atrevido
Sonhando com a guerra e a ofensa
E outros atributos de bandido
E entre bestas e homens a diferença
Cada dia fará menos sentido
Quando a droga mata meio mundo
E ao outro meio lhe mata a fome
Vemos que a loucura é quem no fundo
Está regendo o Mundo em nosso nome
E o Monstro venal, assaz imundo
Devorando os dejectos do que come
Segundo economistas mundiais
O Monstro não tem nem pai nem mãe
Mas há quem afirme que os seus pais
Descendem duma tribo, que advém
De antepassados canibais
E quanto mais comer, mais fome tem!
Lisboa Dezembro de 2008
Leonel Santos