O herói está morto
E o mundo já não é igual
Consignou-se que era um herói imortal
Mas finou-se, e já não faz sentido
Que alguém não aceite que tenha morrido
E à sua volta um ruído enorme
Vocifere que ele apenas dorme
Está morto o herói, e inútil será
Gritar que viva a quem está morto já
Resta agora fazer-lhe humanamente
Conforme o seu estatuto um funeral decente
Mas se às costas do herói emérito
Jaz o mundo presente e o pretérito
Há que erguer um duplo mausoléu
E sepultar ainda o mundo que ele ergueu
Gritar por si nesta hora tardia
Só pode ser loucura ou ser demagogia
De quem não se conforma ou quer voltar atrás
Quando a razão nos manda deixar o morto em paz
Seu jugo foi longo e foi pesado
Mas no seu caixão de herói mitificado
Enterram-se as promessas do seu império vão
Promessas e sonhos que já nem sonhos são
Os milhões de escravos que encheram os porões
De naus negreiras, tumbeiros ou galeões
Conversos em manadas como irracionais
Rumo aos cerrados e aos canaviais
Os grupos de campónios quase infinitos
Fábricas, operários, sirenes aos gritos
A servidão maciça, abrupta, irracional
Em nome do sublime progresso universal
Tudo se calou, o mundo é diferente
Morreu o TRABALHO ingloriamente
Esse gigante que nos prometia
Uma Nova Ordem e a Terceira Via
E nos deixa agora a guerra e a rapina
E a moral da selva por disciplina
Jazendo inerte, frio e já sem cor
Como qualquer escravo de que foi senhor
Que reze a direita enlevada em fé
A ver se o defunto volta a pôr-se em pé
Que grite a esquerda de noite e de dia
A ver se o acorda com a gritaria
Repense-se o mundo, o TRABALHO morreu
E com ele o mundo que nos prometeu.
Lisboa, Março de 2005
Leonel Santos