Leonel Santos - A DECADÊNCIA




Quando eu era jovem meus amigos

O comércio e a cidade eram diferentes

Os donos expunham os artigos

Em montras de vidraça transparentes



E à noite quando o Sol adormecia

Enfeitavam-se as montras a rigor

E ligava-se a luz até de dia

A chamar a atenção do comprador



Iam rua fora os namorados

E as famílias saíam com os amigos

A ver nas montras os preços fixados

E a discutir o preço dos artigos



Mas agora quando a noite vem

As montras que eu vi iluminadas

Têm grandes cadeados e também

Portas de ferro em chapas onduladas



Montras que envoltas na escuridão

Num ar nebuloso de mistério

Nos lembram menos a sua função

Que túmulos negros de um cemitério



Porquê esta mudança que desmente

Todos os sábios da Modernidade?

Porque o Valor o rei omnipotente

Nos abriu as portas da realidade



Toda a grandeza que o Sistema orneia

São palavras ocas de conveniência

Porque o mudo apenas esperneia

Para manter as leis da sobrevivência



O Trabalho morreu e ao morrer

Esse rei sem trono tudo foi mudado

O pobre não tem mais a quem se vender

E o Crime passou a rei do Mercado



Venderam-se escravos? Pois agora

Vendem-se olhos, rins e corações

Vendem-se em pedaços os mesmos que outrora

Se venderam inteiros por muitos milhões



A Corrupção sem freio e sem temor

Fareja e espreita a presa distraída

E crava os dentes cegos do Valor

Como chacal à solta na selva da vida



A droga torno-se omnipresente

E o valor dum novo lamaçal

Vender a Morte nunca foi decente

Mas o Mercado não contém Moral



A Guerra é agora a maior empresa

Que emprega gente em vez de a afastar

Faliram as fábricas de fazer riqueza

Abriram-se mais as portas da barbárie



Pergunto o que através dos anos

A Humanidade fez a seu favor?

A não ser criar mitos e tiranos

E prostrar-se ao deus cego do Valor.



Leonel Santos

Lisboa, Abril de 2008