Quando eu era jovem meus amigos
O comércio e a cidade eram diferentes
Os donos expunham os artigos
Em montras de vidraça transparentes
E à noite quando o Sol adormecia
Enfeitavam-se as montras a rigor
E ligava-se a luz até de dia
A chamar a atenção do comprador
Iam rua fora os namorados
E as famílias saíam com os amigos
A ver nas montras os preços fixados
E a discutir o preço dos artigos
Mas agora quando a noite vem
As montras que eu vi iluminadas
Têm grandes cadeados e também
Portas de ferro em chapas onduladas
Montras que envoltas na escuridão
Num ar nebuloso de mistério
Nos lembram menos a sua função
Que túmulos negros de um cemitério
Porquê esta mudança que desmente
Todos os sábios da Modernidade?
Porque o Valor o rei omnipotente
Nos abriu as portas da realidade
Toda a grandeza que o Sistema orneia
São palavras ocas de conveniência
Porque o mudo apenas esperneia
Para manter as leis da sobrevivência
O Trabalho morreu e ao morrer
Esse rei sem trono tudo foi mudado
O pobre não tem mais a quem se vender
E o Crime passou a rei do Mercado
Venderam-se escravos? Pois agora
Vendem-se olhos, rins e corações
Vendem-se em pedaços os mesmos que outrora
Se venderam inteiros por muitos milhões
A Corrupção sem freio e sem temor
Fareja e espreita a presa distraída
E crava os dentes cegos do Valor
Como chacal à solta na selva da vida
A droga torno-se omnipresente
E o valor dum novo lamaçal
Vender a Morte nunca foi decente
Mas o Mercado não contém Moral
A Guerra é agora a maior empresa
Que emprega gente em vez de a afastar
Faliram as fábricas de fazer riqueza
Abriram-se mais as portas da barbárie
Pergunto o que através dos anos
A Humanidade fez a seu favor?
A não ser criar mitos e tiranos
E prostrar-se ao deus cego do Valor.
Leonel Santos
Lisboa, Abril de 2008