Certo dia um urso velho e experiente
Que vivia na selva há muitos anos
Começou a pensar se realmente
Era a selva dos ursos diferente
Da selva onde vivem os humanos
Sempre ouvira dizer a vida inteira
Que a selva humana tinha mais valor
Mas sempre pensou de outra maneira
Via a selva dos ursos mais ordeira
E eticamente superior
E por achar injusta a posição
Em que se encontrava a bicharada
O urso deu a volta à região
E convocou a todos sem excepção
Prà honra da selva ser lavada
Faltava atrair é natural
O predador humano a esta empresa
E o urso detestava este animal
Que por usurpação universal
Se apodava de rei da Natureza
Mas tantas voltas deu que um certo dia
Depois de ver gorados mil planos
O urso conseguiu aquilo que queria
E pôs a própria selva que o nutria
A discutir com a selva dos humanos
E foi ele o primeiro que com tristeza
Disse abertamente o que sentia
Impôs-me a dura lei da Natureza
Matar e devorar alguma presa
Para poder viver o dia a dia
Não tinha outro caminho, outra saída
Disse ainda o urso e se calou
E um leão rugiu logo em seguida
Que tinha também a mesma vida
Porque a Natureza o obrigou
Eu sempre procedi de forma honesta
Grasnou um abutre e com razão
Não mato ninguém, limpo a floresta
Mas para a selva humana sou a besta
E o bruto-a-montes do sertão
E ante a espécie humana ali presente
Alevantou ainda mais a voz
E disse, olhando os homens frente a frente
Vocês sempre foram e serão sempre
Bastante mais abutres do que nós
Comparem a diferença e a medida
Da corrupção na selva vossa
Com a nossa luta pela vida
E verão que é mais aguerrida
E muito mais selvagem do que a nossa
E se quiserem ter mais harmonia
Venham viver connosco aqui na selva
Disse p'ra assistência que o ouvia
Um dos porcos bravos que assistia
Enquanto retouçava alguma relva
Nós temos de matar disse chacal
Mas na perfídia dos chacais
Não há o instinto habitual
Que tem a vossa selva racional
De viver a matar os seus iguais
E se em minha selva há mal-estar
Muito mais longe a vossa está do bem
Não foram os chacais a inventar
Os tigres, a hiena, o jaguar
As bombas que a vossa selva tem
As guerras do Valor e de Rapina
Que a vossa selva trava noite e dia
E tudo quanto ela congemina
Envergonham a nossa lei felina
E a selva que nos guarda e que nos cria
Nessa altura surgiu um jacaré
A defender a selva em que vivia
Chegara extenuado da Guiné
Julgando os presentes que ele até
Estava adormecido e não ouvia
Falou da selva humana e com desdém
A chamou de selva repelente
Como a paz não dá lucro a ninguém
Vendeis a guerra que o mantém
E o Mercado flui matando gente
E falando por fim com mais rigor
Disse para os outros animais
Que nenhuma selva era pior
Que a SELVA HUMANA DO VALOR
No ventre das selvas mundiais
Leonel Santos
Abril de 2008