Leonel Santos - A MORTE DO TRABALHO

Morreu o trabalho esse deus falho e insolente
Esse gigante, balofo e pedante e já de cadente
Que presumia que sempre existia sem cair mais
Na vala da vida, que engole insofrida, os outros mortais
Morreu afinal, deixou de existir, está enterrado
Já não tem mais as honras reais de rei do Mercado
Pai do Valor, foi presa da vida que um dia gerou
À morte que o queria, dizer não podia, agora não vou
Não chamem por ele, não gritem, não chorem, é tempo perdido
Nem é racional, chamar afinal, quem tinha morrido
Matou aos milhões, roubou, explorou, pisou, reprimiu
Em nome dum bem, que o Mundo não tem, nem nunca existiu
Escravizou milhões e milhões sem freio nem medida
Padres e reis, chamaram-lhe as leis sagradas da vida
Nesses bons tempos de altos proventos e mão escrava
Era ele, esse bandalho do bom trabalho que cá mandava
Novos e velhos, jovens, crianças, tudo bulia
Nenhum vivente, nem besta nem gente, fugir-lhe podia
Jurisconsultos sábios e cultos, deram-lhe leis
A bem dos senhores, fidalgos, doutores, padres e reis
Tinha chicotes, tinha garrotes, tinha tiranos
E a quem morria, o céu garantia, direitos humanos
Navios negreiros, zarpavam ligeiros, pejados de gente
Enquanto o padre benzia, essa economia, piedosamente
Porquê tantos suores, tantos labores, se ainda agora
Morto o Trabalho, nenhum enxovalho, se foi embora
A fome e o frio, nada fugiu, tudo é igual
E ainda a guerra, que assola a Terra, é mais brutal
O crime é hoje um negócio, tornado sócio, do mundo inteiro
E a religião rebusca e fareja, um deus que a proteja, chamado dinheiro
O orçamento galopa, a guerra a tropa, se moderniza
Mas, na mira do perigo, o inimigo, se não divisa
Sucede que o bom trabalho, usou de um baralho já viciado
E após morrer levou, com o mal que o matou, Valor e Mercado
Porque o Mercado que o proletariado alimentou
Cedeu à mais-valia da tecnologia que o rejeitou
E sem proletário, o empresário produz a dobrar
Mas sem honorário, o proletário não pode comprar
E então a empresa, tem outra surpresa na produção
Não mais é capaz de vender o que faz … e a solução:
É um sistema de pernas p’ro ar, sem funcionar, onde ninguém
Produz mais Valor, porque o Valor, está morto também.

Leonel Santos
Lisboa, Abril de 2008