Leonel Santos - O COLAPSO




Morreu o trabalho, o Sistema morreu

A miséria despiu a roupa que a cobria

Rasgaram-se as nuvens que ensombravam o céu

E a luz fere a retina que a treva obstruía

Tudo o que se disse e o que se escreveu

É obra dum mundo que dantes existiu



Porque ouço eu ainda as palavras que ouvia

E vejo igual ganância e vejo igual peleja

A mesma disputa e a mesma teimosia

Políticos que berram como gente de igreja

Vendendo o mesmo Céu e a mesma hipocrisia

Quando o bem nos falta e quando o mal sobeja



Chamaram os antigos os deuses de outro mundo

Os modernos sonharam um salvador humano

Mas os deuses não desceram lá do céu rotundo

E a Terra só pariu, tirano após tirano

Até que o sonho humano acabou no fundo

Deste Sistema imundo e deste abismo insano



Ficou-nos a vergonha, além da decepção

Gravadas a fogo nas sombras da memória

Dos altos-de-fé, dos mares de escravidão

De crimes e guerras que ensaguaram a História

Sopramos os ventos da destruição

Como colher agora frutos de glória



Temos crise, mas que crise? A crise é quem?

Deixou a Terra acaso de girar?

E a luz do Sol já não sorri nem vem

Acordar as florestas para as aves cantar?

Não. O Sistem exangue já não tem

Pernas com que possa caminhar!



Que nos resta agora após a derrocada

Prosseguir na barbárie e na escuridão

Ou usar a razão que nos foi doada

Por milhões de anos de evolução

E caminhar por uma nova estrada

Feita de luz e de emancipação?



Prosseguirmos na selva já incendiada

E redobrar a guerra, a ganância, a fome

Retomar o crime, o roubo, a peste irada

Que apavora o Mundo e que o consome

E calcar a Verdade espezinhada

Que sempre usada foi com falso nome



Ou vamos acusarmo-nos mutuamente

Num Sistema feroz e sem sentido

Deixando o valor reger a gente

Quando por nós deve ser banido

E arrastar-se no chão como a serpente

E os vermes num corpo apodrecido



Onde está, me dizei, toda a grandeza

Da nossa inteligência… e o futuro

Quando à nossa frente paira a incerteza

E a nossa incerteza, chama-se o escuro

Enquanto a besta tem a luz acesa

E um buraco, talvez, bem mais seguro



Desculpem-me os mestres da Moral

E feitores desta selva emaranhada

Chamada de Sistema Social

Porque a selva da besta comparada

Com a nossa selva racional

Está bastante mais moralizada



Enquanto houver seja onde for

O osso duma presa que se roa

A sociedade rapace do Valor

Achar-se-á correcta, honesta e boa

E por ele tomada de furor

Lutará como cães, mordendo à toa



Lisboa, Fevereiro de 2009

Leonel Santos