Brama a chamada esquerda com sermões
De católico tom medieval
Gritando a plenos pulmões
Que tem a chave da Crise universal
E emprego e dinheiro aos trambolhões
Para todo o sistema social
Nem padre, nem bispo, nem profeta
Campeões do milagre em alta escala
Tem solução alguma mais completa
Para queimar a Crise e excomunga-la
Só a esquerda pia, tem directa
Assistência do Céu p'ra extermina-la
E como um abutre lazarado
Vendo uma alcateia em luta acesa
Lá dum alto cume alcantilado
Espera da sorte uma surpresa
E grasna para abocar algum bocado
Fingindo que tem pena da presa
A chamada direita alvoroçada
Grasna no mesmo tom à pobre gente
Mas nunca ninguém distingue nada
Porque nada nas duas é diferente
Temendo cada uma ser roubada
Pelo fervor tenaz da concorrente
E cada dia que passa cresce a ira
Enquanto o Sistema se desfaz
Porque um tira mais do que outro tira
E outro quer tirar não é capaz
Num mundo ébrio de mentira
Onde a maior mentira é a da paz
Porque não vos unis bandos ciosos
De reger uma nova Sociedade
Onde não hajam mais chefes fogosos
Os deuses e os donos da Verdade
São figuras de tempos nebulosos
Que apagaram a luz da Humanidade
Pergunto às bestas que conheço
Em que espécie afinal cabemos nós
Quando após milénios de "progresso"
Á nossa frente há fantasmas sós
E o crime e a miséria são o berço
Da selva que a Vida nos impôs
Quando a Natureza nossa mãe
Nos deu mais -valias racionais
E o nosso Sistema com desdém
Essa Lei trocou por leis venais
Eis o Abismo que nos vem
E nos diz com firmeza em tons brutais:
Essa estrada insana por onde caminhais
Destruindo a Natureza que um dia vos gerou
Matando-se uns aos outros como irracionais
Em busca do Valor que sempre vos cegou
Essa estrada findou, já não existe mais
Somos as ruínas dum mundo que acabou
Ser Homem não é ser predador
Da sua própria espécie e das restantes
Nem montar um palco e ser actor
Da tragédia que assola os semelhantes
Alando o Fetiche a deus maior
Que sempre vos regeu, agora e dantes
De hoje em dia caminhais na bruma
Como um barco perdido entre penedos
Pedaços de madeira, ferro e espuma
Arestas e cristas de rochedos
Não há no Sistema esperança alguma
Quando é Ele o pai dos vossos medos
Lisboa, Abril 2009
Abul-Ala al-Maari