O céu carregado, o vento agreste
A galé vacila sobre os mares
Rumo ao futuro do bem terrestre
Atestado de esperanças milenares
E de promessas vãs que a mente veste
De sonhos que a razão diluí nos ares
No seu ventre ruma a decepção
Do Sistema e do mundo em que vivemos
E o diário cruel da ilusão
De todas as galés que conhecemos
Num mar vil e cego de ambição
Onde o abismo espera que cheguemos
A tempestade assola mar e terra
Mas a galé insiste em sua rota
Leva a estupidez, a morte, a guerra
A pilotar o leme e a derrota
Sem que veja nas trevas quanto erra
Quem a tão cega empresa se devota
A cada hora que passa um novo rombo
No casco da galé se configura
E ecoa nos ares um novo estrondo
De maior e mais forte envergadura
Porque a galé se vai expondo
Bem menos à razão do que à loucura
À sua volta há contos de fadas
Lendas tão infantis quanto banais
Milhões de quimeras inventadas
Para que tem vista não ver mais
Que falsas visões que são tomadas
Por subidos valores e seres reais
E assim a galé voga perdida
Nas vagas da insânia que buscou
Porque fugindo à luz fugiu à vida
Que lhe dava a luz que rejeitou
Rumo à tragédia com que lida
Agora que o encanto se quebrou
Derradeira galé da Humanidade
Símbolo dum Sistema irracional
Onde a mentira manda na Verdade
E a Vida não tem valor real
Porque não existe validade
Fora do valor comercial
Galé de escravos e de ilotas
Onde tudo se troca e comerceia
Desgraçada mãe de cegas rotas
Opostas à luz que o mundo anseia
Onde o Crime e a Lei se pesa em notas
Embrulhadas em cantos de sereia
Fruto de doutores, padres e reis
De absconso saber nunca provado
Esta galé transporta as duras leis
Com que o mundo tem sido amordaçado
Que não são de campónios bem sabeis
Nem de quantos são pastores de gado
Sem leme, sem futuro nem direcção
A galé cambaleia enquanto erra
Fustigando os escravos do porão
Como se causa sejam desta guerra
Rumo aos baixios da perdição
Onde o raivoso mar abraça a terra
A História da galé que o mar atira
Aos aguçados fios da rocha dura
É o soluço final duma mentira
Presa à utopia que a segura
O sonho dum mundo que delira
Na ilusão do Lucro que procura
Lisboa, Maio 2009
Abul-Ala al-Maari