LEONEL SANTOS - A Última Galé



O céu carregado, o vento agreste

A galé vacila sobre os mares

Rumo ao futuro do bem terrestre

Atestado de esperanças milenares

E de promessas vãs que a mente veste

De sonhos que a razão diluí nos ares



No seu ventre ruma a decepção

Do Sistema e do mundo em que vivemos

E o diário cruel da ilusão

De todas as galés que conhecemos

Num mar vil e cego de ambição

Onde o abismo espera que cheguemos



A tempestade assola mar e terra

Mas a galé insiste em sua rota

Leva a estupidez, a morte, a guerra

A pilotar o leme e a derrota

Sem que veja nas trevas quanto erra

Quem a tão cega empresa se devota



A cada hora que passa um novo rombo

No casco da galé se configura

E ecoa nos ares um novo estrondo

De maior e mais forte envergadura

Porque a galé se vai expondo

Bem menos à razão do que à loucura



À sua volta há contos de fadas

Lendas tão infantis quanto banais

Milhões de quimeras inventadas

Para que tem vista não ver mais

Que falsas visões que são tomadas

Por subidos valores e seres reais



E assim a galé voga perdida

Nas vagas da insânia que buscou

Porque fugindo à luz fugiu à vida

Que lhe dava a luz que rejeitou

Rumo à tragédia com que lida

Agora que o encanto se quebrou



Derradeira galé da Humanidade

Símbolo dum Sistema irracional

Onde a mentira manda na Verdade

E a Vida não tem valor real

Porque não existe validade

Fora do valor comercial



Galé de escravos e de ilotas

Onde tudo se troca e comerceia

Desgraçada mãe de cegas rotas

Opostas à luz que o mundo anseia

Onde o Crime e a Lei se pesa em notas

Embrulhadas em cantos de sereia



Fruto de doutores, padres e reis

De absconso saber nunca provado

Esta galé transporta as duras leis

Com que o mundo tem sido amordaçado

Que não são de campónios bem sabeis

Nem de quantos são pastores de gado



Sem leme, sem futuro nem direcção

A galé cambaleia enquanto erra

Fustigando os escravos do porão

Como se causa sejam desta guerra

Rumo aos baixios da perdição

Onde o raivoso mar abraça a terra



A História da galé que o mar atira

Aos aguçados fios da rocha dura

É o soluço final duma mentira

Presa à utopia que a segura

O sonho dum mundo que delira

Na ilusão do Lucro que procura



Lisboa, Maio 2009

Abul-Ala al-Maari