SONETOS
I
Caminho sobre montes, evitando
A sarça emaranhada e o carrasco
Piso tufos de cisto e de verbasco
De agrestes acúleos me cuidando
Aves, vejo-as livres se afastando
Subido de surpresa algum penhasco
Nos ramos de aroeira o pisco, o chasco
Vão negras bagas debicando
A Aurora clareia, pincelando
De ouro e rosa os céus do Oriente
E eu só , ninguém mais, por ali ando
Talvez esteja feliz, talvez contente
Mas sinto mais que vejo, meditando
E menos cuida quem vê do que quem sente
I I
Vejo agora ao longe, no mar, distintamente
Uma esteira de água buliçosa
E a Aurora já mais ouro que rosa
Um horizonte me dá mais abrangente
Pressinto leve essência subtilmente
Numa atmosfera deleitosa
E na flor da esteva graciosa
Há um ar de noiva adolescente
Ao longe e ao perto há alecrim
E aves nestes montes viridentes
Voam livres, em bandos sobre mim
Mas um Sistema de ambições diferentes
Que nos talha a Vida de principio ao fim
Sonha Valor e Lucro naquelas vertentes
I I I
O solo afogueado, safado, ressequido
Bebeu há muito a água que o Inverno trouxe
Mas tudo verdeja assim como se fosse
De algum secreto rio humedecido
O rosmaninho até algo atrevido
Pelos vastos montes espalhou-se
Porém o tojo-arnal encarniçou-se
Contra algum forasteiro mais destemido
Vejo troviscos de braços estendidos
O zimbro altivo, atenta sentinela
Lentiscos de ramos contorcidos
E uma brisa que passa airosa e bela
Vem depôr-nos na face e nos sentidos
Quase sensuais, os beijos dela
I V
Todo o réptil que entre os penedos mora
Nas ditas pedras se encarapitou
E busca a borboleta que pousou
O gafanhoto que salta à mesma hora
Da folha da esteva mana agora
Sob o sol que a tanto a obrigou
A seiva que sempre destilou
Contra os raios solares, como quem chora
Na arruda semi-seca os caracóis
Parecem nestas horas quase mortos
Até que a noite os vem acordar depois
Eufórbias emaranham os braços tortos
E dão alguma sombra aos rouxinóis
Em funções amorosas absortos
V
Mas nestes montes ledos onde impera
Um silêncio tão quedo e tão profundo
Uma luta há que escapa ao mundo
Silenciosa embora ,mas severa
É que a nossa Estrela não tolera
Que o solo mal ou bem seja fecundo
Sem que ela lá do céu rotundo
Toque a própria vida que ela gera
Na luta pela vida e pelo espaço
Cada planta aqui é obrigada
A conquistar à força o seu pedaço
E o Homem de forma alienada
Copiou a Natureza passo a passo
Na sua forma cega inopinada
V I
E imitando as regras naturais
Ora destruidor, ora indulgente
Construiu um Sistema inconsistente
Assente em padrões irracionais
Se a incônscia Natureza meios brutais
Nos impôs no passado e no presente
Também nos cedeu alcance e mente
Para poder avançar melhor e mais
Comtudo do bruto modelo original
Das naturais leis o néscio humano
Fez uma cópia infiel e mais brutal
E preso nos deixou com mágoa e dano
A pior selva que rege o animal
Até que cesse um dia o nosso engano
V I I
Criou deuses, santos, alimárias
Como que uma segunda Natureza
Milhentas ilusõs como certeza
Civilizações pobres e párias
Inventou mitos, diabos, coisas várias
Fetiches que traz ao peito e reza
O dinheiro deus da fome e da riqueza
A que todas as normas são contrárias
E exibindo a vida do avesso
Com fome, morte e guerra em todo o lado
Começou a vender-nos o Progresso
Dum Sistema generoso e avançado
E a Crise… vejam bem que retrocesso!
Quer matar este sonho iluminado
VIII
Culpa-se o marginal, o patrão e o banqueiro
Para tentar manter o Sistema intacto
Um mundo fictício e abstracto
Movido por escravos do dinheiro
É assim que o Sistema inteiro
Raciocina bronco em seu formato
Onde é mais livre o mero rato
Que qualquer cientista ou engenheiro
Chegamos assim ao fim duma jornada
No seio dum Sistema irracional
Fatigado de andar, sem andar nada
Presos num cárcere de ferro universal
Onde a Vida humana é sufocada
Enquanto a besta vive, bem ou mal.
LEONEL SANTOS
Julho 2011